segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ecad: Máquina de fazer dinheiro

No ano passado o Ecad arrecadou algo em torno de 350 milhões de reais. É uma arrecadação muito grande, dizem, e continua crescendo a cada ano. Mesmo tendo que apurar cerca de 80% de suas receitas por via judicial, o Ecad é uma máquina de fazer dinheiro. Tem a legislação e o preceito de legitimidade a seu lado, pois as associações que o mantém, com seus próprios recursos, são entidades que representam os compositores e autores brasileiros. Estas associações, que são as representantes legais dos compositores, doam parte significativa de suas receitas para manter o Ecad.

O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição do Direito Autoral (Ecad) cumpre a função que o autor sozinho não poderia cumprir. O de aferir e recolher os direitos pela execução de sua obra. Imagine o autor, sozinho, indo de bar em bar, de rádio em rádio cobrando o seu legítimo direito pela execução de sua obra. Seria algo difícil, você não acha? Mas ele pode fazer isso se quiser. É permitido e facultado por lei.

Mas porque recolher direito autoral? Por que tentar ser remunerado se a gente aprendeu nas ultimas décadas que não era possível ganhar dinheiro com direito autoral? Houve muitas distorções no meio do caminho, mas uma coisa é certa: bares, veículos de comunicação, academias, lojas e muitos estabelecimentos comerciais ganham dinheiro vendendo serviços ou espaços publicitários que se utilizam da música como atrativo. Você escuta a rádio pela música, mas a uma rádio se aproveita de que você a ouve por causa da música e vende espaços de publicidade. Assim, é justo que você ganhe pela utilização de sua obra.

A cultura da distribuição gratuita da internet e a falta de mínimo senso profissional dos compositores da geração digital, principalmente aqueles de regiões periféricas onde o mercado cultural ainda não se estabeleceu, faz parecer uma coisa absurda pensar em ganhar dinheiro com direito autoral. Mas, como se pode ver, o dinheiro existe. Essas execuções geram dinheiro e alguém está ganhando em cima dessas obras. Se você não recolhe, outros recolherão por você. Há alguns meses a impressa noticiou o caso de um espertinho que se disse co-autor da trilha sonora de vários filmes. A associação a que ele se filiou acreditou (ou foi conivente, isso ainda está sendo apurado) e ele recebeu um cheque de R$ 110 mil por obras que nunca compôs.

Enquanto isso, autores paraenses que cresceram na cultura da distribuição digital, foram procurados para recolher seus direitos através de uma associação e nunca tiveram interesse em se filiar. Escuto muitas queixas de músicos que acreditam que não tem nem tempo nem dinheiro para cumprir a burocracia de recolher seus direitos autorais. E tem artista que tem música em filme da Globo. Os direitos autorais retidos são garantidos por cinco anos. Depois disso, eles serão redistribuídos pelos maiores arrecadadores integrados ao sistema. A CPI do Ecad tem apurado que os dirigentes do órgão trabalham com metas de arrecadação e ganham polpudas comissões em cima dessas metas.

Autores independentes como Madame Saatan, Elder Effe e outros paraenses já cumprem ações básicas de informar o Ecad quando tocam em festivais ou quando tem sua música executada em rádio ou TV. Isso, às vezes, garante que seu dinheirinho seja recolhido e some no caixa da empresa, que deve ter faturamento pra se manter.

Converso com compositores novos que dizem não acreditar “nesse papo de associação” e que se recusam completamente a se associar para qualquer fim. Cheguei a ouvir deles que deveriam ganhar pela execução de sua obra, mas isso deveria ser automático, sem o envolvimento do artista. Seria ótimo se fosse assim, mas a vida não tão fácil quanto parecia quando a gente pegou o violão pela primeira vez pra fazer música.

Pena Schimit, uma referência para qualquer profissional de música no Brasil, indie ou mainstream, disse em artigo recente que o artista deve estar de olho no seu direito autoral. É o mínimo. Por isso, é bom entender como funciona o sistema de arrecadação e distribuição de tal dinheiro.


Enquanto isso, na Câmara dos Deputados

Em junho estive na reunião da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados em Brasília. Foi a última reunião antes da instauração da CPI do Ecad. Estavam presentes na mesa, vários estudiosos advogados que denunciaram práticas recentes do Ecad. Estava na mesma mesa também o Leoni, aquele cantor pop que tocou com Kid Abelha e fez parte da banda Heróis da Resistência e que hoje aparece em um monte de revistas como referência de artista que sabe lidar com seu público na era digital. Leoni integra um movimento de artistas que se chama “A Terceira Via do DA”. Leoni disse que leva uma vida confortável graças aos direitos autorais que lhe são repassados por suas obras.

Lá também estava Téo Ruiz, paranaense que integra o Fórum Nacional da Música (FNM), movimento fortalecido pelas ações da gestão de Gilberto Gil e Juca Ferreira frente ao Ministério da Cultura. Teo Ruiz escreveu um livro chamado “Contra a Indústria”, em que prega formas modernas de gestão de carreira longe do “esquemão” da Indústria Fonográfica. Lá estavam os deputados, a superintendente do Ecad, Glória Braga, e artistas famosos que defendem o modelo atual, entre eles Sandra de Sá e Walter Franco. Esses não estavam na mesa e ficaram somente até a hora de fazer suas falas e posar para as fotos. Depois pegaram o avião de volta pra São Paulo e para o Rio.

Nenhum deles, absolutamente nenhum deles, se manifestou a favor da extinção do Ecad. É pouco provável portanto que qualquer reforma da Lei de DA diga que o autor não deve receber pela execução de sua obra. O que todos querem é reformular a lei e/ou regulamentar os princípios que medem a arrecadação. A atual Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, já dizia que existem na lei atual mecanismos de aferição, de cessão de direitos e tudo o mais que a legião de produtores, autores e agentes digitais prega. Ou seja, não precisaria de reforma, basta que os interessados busquem fazer valer os seus direitos.

A Funarte chegou a criar um edital para premiar “propostas alternativas” ou ‘inovadoras” de gestão de direitos autorais. Não sei se vingou. É verdade que a lei permite que você não se associe e que você recolha direitos autorais sozinho. Mas é impossível se concentrar em sua carreira e fazer isso ao mesmo tempo. As associações existem para isso e ganham para isso, e ganham em cima do que elas arrecadam, por isso, o autor não perde nada. O investimento dele já foi feito quando ele compôs, gravou e divulgou seu trabalho. Esses três procedimentos juntos garantem a entrada de sua obra em um circuito comercial e logo lhe garante a arrecadação, ou deveria, mesmo que ela seja pequena.


A exceção de algumas emissoras de TV e rádio, que emitem relatórios detalhados, o Ecad recolhe por “amostragem”. Ou seja, ele aplica regras estatísticas para projetar, em cima de poucas horas de programação gravada, a execução das obras dos autores filiados. Essa é a maior distorção. A programação da rádio não segue uma ordem aleatória de progressão aritmética ou geométrica como se entendem as regras estatísticas.

Se você desconsiderar o jabá, a programação da rádio e da televisão segue a intenção dos programadores segundo suas necessidades estéticas e gostos pessoais naquele horário e naquele programa. Assim, eu posso tocar uma ou duas vezes num programa de rock e nunca aparecer numa amostragem do Ecad, porque ela foi feita em horário comercial.

Na televisão, o Ecad garante que a arrecadação é feita por obra. Toda obra executada é registrada e repassada ao Ecad em um relatório de execução. Glória Braga afirmou que existem mais de 350 mil autores registrados no Brasil mas as grandes emissoras só executam 19 mil deles. Quando ela falou isso, a platéia gritou “jabá” do lado de cá.

Mas a arrecadação pode ser pulverizada pelas emissoras regionais e segmentada por estados e municípios. Se as rádios públicas e universitárias de cada estado e município, assim como emissoras regionais de televisão, se dispuserem a trabalhar em parceria com entidades representativas, elas, que não deixam de pagar o Ecad de qualquer modo, podem contribuir ao menos para que a distribuição seja mais justa.

Já perguntei a um ex-diretor de rádio pública e ele disse: “Nós pagamos o Ecad, vá lá recolher seus direitos!”. O diretor, ex-sindicalista, sabe defender seus direitos certamente, mas não era muito preocupado com o direito do artista. Quando eu perguntei se ele tinha informado a programação da Rádio, ele disse “isso é problema do Ecad ele é que tem que ouvir a Radio e dizer quem a gente tocou!”.

Pois é, se a Radio não informar nós ficamos na mão do Ecad, que também tem seus problemas para aferir, arrecadar e distribuir. É necessário um novo pacto entre autores, suas representações, executores que ganham com a música e o poder público para tornar essa arrecadação mais justa e mais equilibrada, de modo a incentivar a produção do artista regional, aquele que não toca na Globo mas toca na TV Liberal ou na TV Cultura.

Segundo um relatório de dois meses atrás, as rádios paraenses, segundo me informou a minha associação, devem cerca de R$ 15 milhões ao Ecad. A Funtelpa, por exemplo, devia, segundo o Ecad, até o mês passado quase R$ 90 mil. Essas rádios sempre pagam porque ao contrário do exercício direto do músico, as execuções são consideradas comerciais. E o Ecad sempre leva na Justiça mesmo fazendo acordos. Mesmo que o dinheiro seja desviado dentro do Ecad, como estão comprovando as investigações da CPI.


Eu, independente também?

Você pode pensar: no meu caso, que sou musico independente, e não vivo disso, tenho outro emprego, compensa a burocracia, o gasto de energia de se inscrever numa associação para receber? Além da questão de compensar o investimento, há uma questão latente na sua possível omissão. Você ajuda a viciar o sistema se você se omite. Como cidadão e como profissional, você tem responsabilidades. Não adianta fugir delas. O Brasil está entrando em uma nova era de desenvolvimento econômico e social. A tendência é que a informalidade seja banida do mercado, e é preciso acompanhar os novos tempos.

Mesmo viciado, o sistema do Ecad é estudado por acadêmicos europeus porque seu modelo é mais justo em princípio. Só que, como o sistema é complexo e o artista não se envolve, acaba dando margem para desvios e distorções.

Na Europa, por exemplo, não existe fundo retido. O fundo retido é aquele dinheiro que é recolhido, mas não é repassado porque os autores dessas músicas não são associados às entidades mantenedoras do Ecad. No Brasil, esse fundo fica guardado por cinco anos depois é redistribuído entre autores e funcionários do Ecad como vem mostrando as investigações da CPI. Lá na Europa se sua música não é identificada na aferição o dinheiro entra no bolo de quem é. E pronto.

Mexer com o Direito Autoral hoje em dia implica em mexer em vespeiros de deputados e senadores que detém concessões publicas de veículos de comunicação de massas. Mas há uma CPI sobre o caso em curso. Por pouco e por ignorância dos músicos não emplacamos uma cadeira no Conselho Nacional de Comunicação. Isso quer dizer que mudanças são possíveis. E elas começam bem pequenas, conversando com o dono do bar que você conhece e que toca a sua música, conversando com o diretor de programação da rádio pública ou da radio universitária que você conhece. Conversando com outros artistas e outros músicos que como você passam pela mesma situação. Se organizando para uma gestão mais justa dos direitos e deveres que envolvem o exercício da profissão que você escolheu.




Fotos: Leoni, Teo Ruiz na mesa da audiência na Câmara dos deputados (1); Glória Braga, superintendente do Ecad, preparando0-se para dar entrevista (2); O poster e Malva Malvar, membros do Colegiado Setorial de Música em Brasília (3); Sandra de Sá e os artistas que defendem o Ecad na plateia da Comissão de Educação e Cultura na Câmara


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