sexta-feira, 10 de junho de 2011

Daime Soul: A alma musical da Amazônia


Uma brisa de praia invade as narinas com cheiro de mar e de mangue. Um ritmo caribenho embala as melodias de índio e de negro; a soul music, o reggae, o jazz e a música pop brasileira se confundem como numa festa à beira do mar do Marajó, sob a influência do Rio Amazonas e dos americanos de todo canto da América, trazendo em sua bagagem o mundo, que chegam para confraternizar. Assim é o estilo Amazon Words Music de “Daime Soul Vol. 01”, disco e projeto do instrumentista Magrus Borges e da cantora Adriana Cavalcante, que chega a público através do selo Na Music com patrocínio do Conexão Vivo.

Paraense de Belém, Adriana começou a tocar piano aos oito anos e a cantar aos 19. Até 2002 integrou Batom Carmim e Tempero da Tribo, bandas de charme e influências latinas. Depois, seguiu como atriz e fez carreira solo, excursionando e cantando pelo Brasil e pela América Latina, tendo morado na Argentina e no Caribe. Em 2009, foi “descoberta” pela americana Kristina Borges, mulher de Magrus, num bar em Belém do Pará. Kristina a apresentou ao marido e aí teve início o projeto Daime Soul.

Durante dois anos, Magrus e Adriana reuniram-se no estúdio dele em Belém para compor e gravar. Adriana trouxe as letras e as “encaixou” nas músicas e melodias de Magrus, que fez também a produção musical do projeto, tocando bateria, percussão e programando vários instrumentos. “Adriana trouxe alma para o projeto musical que eu queria realizar naquele momento. Nós ficávamos até seis da amanhã bebendo vinho e compondo”, explica Magrus.



Magrus começou sua vida musical em Belém na década de 1970, tocando na Casa da Juventude (Caju), onde formou o Sol do Meio Dia com os músicos paraense Odorico, Rafael Lima, Minni Paulo e Zé Macedo – uma banda que influenciou gerações em Belém. Sua vida mudou radicalmente quando Johny Alf, um dos bambas da Bossa Nova, chegou na cidade e o baterista dele ficou doente. “Alguém me recomendou para tocar bateria com ele e foi uma coisa mágica porque eu já queria sair e ganhar o mundo”, explica.

Aos 15 anos de idade, Antonio Guilherme Borges praticamente fugiu de casa para tocar bateria com Johny Alf. Morou em São Paulo e Rio de Janeiro e tocou também com Maria Bethania, Caetano Veloso, Elza Soares e Luiz Melodia, entre outros. Depois foi estudar música nos EUA, onde também tocou com Grace Jones, Shakira e Larry Coryell. Morou na Califórnia, Miami e Nova York, onde tocou com Jimmy Page, Arthur Lindsay e montou uma banda de rock, o Tall Stories. “Gravei e lancei discos com essa banda, mas não queria só tocar rock, queria tocar outras coisas, adoro jazz e blues."

Em Daime Soul, Magrus potencializou a musicalidade sensível de Adriana com uma produção sofisticada, que inclui ainda várias participações especiais, como do guitarrista Mark Lambert, do contrabaixista MG Calibre, Trio Manari, Daniel Delatuche e Fabrício Cavalcante. “O Magrus tem, pela experiência dele, a capacidade de fazer música com propriedade pop, sendo comercial sem perder a alma, sem deixa de ser de bom gosto e de qualidade”, comenta Adriana, acertando em cheio.

Daimista, Adriana diz que usou a influência de sua espiritualidade e da gente de todo mundo que chegou em Belém em 2009 para o Fórum Social Mundial no trabalho. “People, faixa que abre o disco é cantada em inglês, espanhol e português por causa disso. Traz essa influência do mundo, das minhas andanças”, afirma. A intenção "global" também é defendida por Magrus: "Nós fizemos esse disco para o mundo."



Na segunda faixa, “Amazônia Caribenha” fica mais evidente a influência da música latina no disco. “Canta pra subir” usa a percussão do Trio Manari para compor um canto afro em que Adriana “pede licença” para cantar. De audição fácil, depois de escutar esta canção duas vezes você vai querer ouvi-la muitas outras. Sempre com o viés da espiritualidade e das boas vibrações, “Belo Monte”, entre tantas outras influências, usa a levada tribal da Amazônia para incrementar um protesto sem rancor. É Magroove em ação, como a cantora Grace Jones apelidou o músico paraense.

“I can feel your Love” traz o ritmo e as boas vibrações do reggae, evidenciando a melhor influência de Bob Marley sobre o trabalho de Adriana. MG Calibre, faz as vezes de rap na canção. Em “Mundo dá volta”, uma das mais pegajosas, no bom sentido, a levada da capoeira é que é homenageada trazendo os ensinamentos dessa arte marcial afro brasileira, com uma justa referência a Gilberto Gil.

A cada faixa, as influências dos ritmos e cantos dos povos que ajudaram a formar a cultura amazônica, vão se misturando e se evidenciando para compor um canto de alcance global. A latinidade (em ritmo e linguagem) volta em “Santo Daime” para falar de expansão sensorial e espiritual com um toque psicodélico, mas ainda sem perder a veia pop.

Ainda que o jazz também venha se insinuando em outras faixas, é em “Rain on me”, que encerra o disco, que Magrus evidencia uma de suas maiores paixões. Fabrício Cavalcante, irmão de Adriana, toca guitarra e o arranjo, também de verve latina, ainda privilegia o bom gosto com os metais de Daniel Delatuche e Josibias Ribeiro. E quando o disco acaba, na oitava faixa, não resta outra coisa senão escutá-lo de novo.


Fotos: Na Figueredo
*Edição integral do texto publicado originalmente em O Liberal do dia 17 de maio de 2011