sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Cultura e o "Custo Amazônico"

No último dia 31 ocorreu na Assembléia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) a audiência pública promovida pela Câmara dos Deputados sobre o o Procultura, projeto de Lei que pretende reformar o sistema de financiamento da Cultura. A iniciativa foi do deputado federal Claudio Puty (PT-PA), presidente da Comissão de Finanças, por onde tramita o projeto, mas também estiveram por lá o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA); o deputado estadual Edilson Moura (PT); o presidente da Fundação Cultural Tancredo Neves, cantor e compositor Nilson Chaves; o secretario nacional de Fomento e Incentivo à Cultura do Minc, Henilton Menezes; um dos dois membros paraense do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CPNC), Antonio Ferreira, de Cultura Afro; o deputado federal Pedro Eugênio (PT-PE), relator do projeto e Eliana Bogéa, membro da comissão formada pela classe artística e de produtores responsável por apresentar sugestões elaboradas em uma série de reuniões. Segue algumas considerações e observações sobre o encontro.


1 - Ano passado cerca de R$ 1,3 bilhão foram investidos em cultura através da Lei Rouanet e talvez de outros mecanismos de financiamento. Cerca de R$ 200 milhões a mais que no ano anterior. Segundo Henilton, mais de 90% desse dinheiro era do governo, através de renúncia fiscal.

2 – Mais de 70% do dinheiro ficou na região Sudeste, mais especificamente em bairros nobres de São Paulo e Rio de Janeiro. O investimento no Espírito Santo, por exemplo, é irrisório.

3 - As distorções são grandes e Henilton disse que o Minc não espera só pela mudança da Lei, que deve demorar ainda, para tentar corrigir as distorções. No entanto, entre os dois últimos dados de financiamento de projetos da Lei Rouanet na região Norte, o percentual mudou de pouco mais de 0,4% para pouco mais de 1,4%. Acredito que esses dados se referem aos anos de 2009 e 2010. Uma variação proporcional de mais de 100% mas que na prática, sobre os números absolutos, representa um aumento de 1%. Esse são os nossos “grandes números”.

4 - Henilton disse que o Minc conversa com a Vale para que a empresa abra um edital especifico para a região amazônica.

5 - Nilson Chaves sugeriu que se uma grande empresa, pública ou privada, patrocina cinco grandes projetos na região Sudeste, por exemplo, deveria patrocinar tantos projeto iguais nas outras regiões.

6 - O deputado Pedro Eugenio, por sua vez, acredita que deva ser dado 100% da renúncia fiscal para quem patrocina, para que não percamos o “apoio” da iniciativa privada. Pode ser que com crise e tudo o mais, realmente devamos ter medo de perder dinheiro de patrocínio privado, mas é bom sempre lembrar que a renúncia é dinheiro público. Quando Gilberto Gil estava saindo do governo, falava em avançar para que o empresário entrasse com 50% e o governo com 50%. Era o que ele dizia que seria o ideal.

7 - Arnaldo Jordy fez uma defesa do “Custo Amazônico” baseado na ideia de que os custos de produções são mais caros aqui que em outras regiões do país.

8 - Henilton disse que no dia da audiência, a Folha de São Paulo publicou uma matéria “detonando” a pesquisa encomendada à Fundação Getulio Vargas sobre preços de serviços culturais em algumas capitais do país. Nela, Belém tem preços mais altos de serviços de técnicos e instrumentistas, por exemplo, do que em São Paulo. Traduzindo a opinião de Henilton para um tom bem popularesco seria mais ou menos assim: “A imprensa reacionária acredita que aqui só tem bocó, e não pode cobrar caro por serviços tão sofisticados como as horas de serviço de um pianista”.

9 - O produtor Sergio Oliveira sugeriu que o governo obrigasse as estatais ou empresas mistas a somarem seus investimentos em cultura na região. O deputado Pedro Eugenio achou “complicado”, uma vez que o governo não tem ingerência sobre cada direção de empresa. “O que pode haver é uma diplomacia onde a gente conversa e explica que a diretriz do governo é uma e que eles poderiam fazer de acordo”, explicou o deputado. Onde estão os estadistas capazes de o fazer?!

10 - Carlos Henrique Gonçalves fez uma defesa do “Custo Amazônico” como uma compensação histórica pela exploração da Amazônia.

O Minc sabe das distorções e promete trabalhar mesmo antes da aprovação da Lei para atenuá-las. Assim esperamos. Eu me manifestei. Disse que é preciso pensar a cultura como necessidade de preservação de identidade e tudo, mas também é preciso pensar nela como fator de desenvolvimento econômico, sim, uma vez que a maioria prefere pensar nisso como algo “sagrado”. Vamos identificar o que é sagrado e preservar. O que tiver potencial econômico vamos investir como necessidade de identificar o Brasil no contexto global. A cultura tem poder transformador inclusive por isso. No entanto, esse mercado deve crescer com regulação rígida, sim, e corrigindo as distorções que existem não somente entre as regiões, os estados e os municípios, mas as distorções que existem entre técnicos, artistas, produtores etc. Vamos construir um mercado que seja um fator de desenvolvimento para a nossa cultura e para o nosso povo, de verdade. Nós podemos?

domingo, 28 de agosto de 2011

Cultura vai juntar situação e oposição?

O “Diálogo Cultural”, realizado pela Regional do Minc Norte e Fundação Tancredo Neves na última sexta-feira no Cine Teatro Líbero Luxardo do Centur , juntou na mesma mesa os deputados federais Arnaldo Jordy (PPS) e Claudio Puty (PT). Pertencentes a bancadas de partidos opositores no Estado, Jordy e Puty afinaram o discurso em prol da Cultura da Amazônia e do Estado.

O discurso comum é a defesa do chamado “Custo Amazônico”, um princípio defendido e aprovado na II Conferencia Nacional de Cultura em Brasília pelas bancadas de representações regionais. Votação fortemente influenciada por representantes paraenses nos colegiados setoriais de cultura - estruturas de consulta institucionalizadas ao longo das gestões de Juca Ferreira e Gilberto Gil, que hoje compõem uma política de Estado, firmada com a Lei do Plano Nacional de Cultura, aprovada em dezembro passado.

A discussão não é nova. Segundo dados registrados pelo Minc há cerca de três anos, apenas 0,43% dos recursos da Lei Rouanet ficam na região, enquanto mais de 70% potencializam os investimentos culturais na região Sudeste do Brasil. Esse quadro já mudou, talvez os recursos no Norte tenham chegado a algo em torno de 1,5%, o que ainda está muito aquém das dimensões grandiosas da região.

O burburinho em torno dessa desigualdade regional não chega a sensibilizar representantes setoriais de outras regiões que ocupam os colegiados e o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), órgão formado por representantes dos colegiados e de outras instancias e que também fazem parte da institucionalização da cultura.

Tanto é assim que na última reunião do Colegiado Setorial de Música, em junho passado, coloquei a questão em pauta. Ela foi aprovada não como um princípio de isonomia da região Norte, mas indiretamente pela busca da igualdade entre as regiões, o que já seria um avanço significativo em relação a realidade que temos hoje. A questão, dessa forma, foi aprovada como prioridade nas diretrizes setoriais naquele colegiado. Mas não sem antes ser ridicularizada por membros do colegiado de outras regiões.

A questão do “Custo Amazônico” foi levada ao CNPC e lá, segundo Isaac Oliveira, um dos dois representantes do Pará no CNPC, pertencente ao Colegiado Setorial de Culturas Populares, ele foi vencido. Os argumentos dos conselheiros contrários é que não existem dados suficientes que comprovem que a região necessite ser tratada com diferencial em relação às outras regiões do país.

Esse possível dispositivo deveria estar contido na lei Procultura, que redefine os parâmetros e métodos de financiamento da produção cultural do País. O Procultura vai substituir a Lei Rouanet e incorporar outros dispositivos de financiamento, sendo o principal deles o Fundo Nacional de Cultura. O documento acaba de sair do CNPC e está tramitando nas comissões parlamentares antes de ser posto a votação no Congresso Nacional.

Se aprovada do modo como está hoje redigida, a proposta define que a renúncia fiscal, principal mecanismo de financiamento através da Lei Rouanet, será somada ao mesmo volume de recursos provenientes do orçamento do estado para multiplicar os investimentos no setor.

A luta das lideranças culturais nesse momento é para que o chamado “Custo Amazônico” seja incorporado ao texto nas tramitações dentro do Congresso. Para isso, Puty e Jordy, que compõem comissões diferentes, por onde o texto deve tramitar, acordaram a possibilidade de realizar audiências públicas no Pará e na Amazônia onde seriam discutido e argumentado de melhor forma o principio do investimento necessário para o desenvolvimento do potencial cultural da região.

Seria a Cultura o tópico capaz de juntar oposição e situação no Pará em torno de uma política comum de desenvolvimento do Estado e da Região? Coisa difícil de dizer na política paraense. Arnaldo Jordy esteve reunido com a Ministra da Cultura na presença de Lucinha Bastos, atual diretora de integração da Fundação Cultural Tancredo Neves. Jordy e Lucinha disseram ter boa acolhida na proposta. O MINC já tinha criado no ano passado um edital de pequenos projetos para a Amazônia, que desburocratizam e estimulam a pequena produção. Aliás, um dos argumentos de tão poucos recursos na Amâzonia é a falta de projetos consistentes e bem elaborados. Argumento que ora vai cair em descrédito. De qualquer forma, a classe de produtores e artistas tem muito o que rever nesse processo de transição. E tem que se preparar para um novo momento.


Custo amazônico?


Na minha opinião, a primeira coisa que deve mudar no discurso atual é o termo “custo”. O que se deve propor nesse momento é o desenvolvimento de um mercado cultural na Amazônia. Já está mais do que claro que as manifestações culturais de todo o tipo e os talentos em todos os setores, seja na música, no cinema, nas artes visuais, na dança, enfim, nos mais diversos segmentos da produção cultural brasileira e universal, existem e tem potencial. Potencial que na Amazônia, conciliando os fatores geográficos e históricos do país, encontra terreno fértil ao desenvolvimento de tal indústria.

Lembro os argumentos expostos no primeiro artigo publicado neste blog há três anos, quando falava da importância da Economia da Cultura e Economia Criativa para o Brasil, principalmente diante da atual configuração econômica mundial.

Quando foi escrito meu artigo, por circunstância da primeira crise econômica do século 21, disseram que era ingenuidade minha afirmar que o império americano estava em decadência. Hoje, por mais distante que essa realidade possa estar, ela é ainda mais factível do que naquela época.

No entanto, o primeiro desafio desse desenvolvimento é justamente mudar a nossa mentalidade. A incorporação do termo “custo” pelas lideranças culturais e políticas que começam a se apropriar desse discurso, e em alguns casos, fazendo dele bandeira política, indica facilmente a nossa inclinação mental e nos mostra como ainda pensamos pequeno. “Custo” em empreendedorismo é aquilo que onera o produto. Que o torna caro. No entanto, somando os valores sociais, simbólicos e ambientais presentes na Amazônia, os recursos aplicados aqui são, pelo menos na cultura, evidentes investimentos.

O desenvolvimento de uma economia da cultura tem potencial estratégico na afirmação de uma nação. Em primeiro lugar, sim, pelo seu fator simbólico de afirmação da identidade cultural deste país sobre os demais ou aos demais -- sem necessariamente imposições imperialistas como assim o fez o hoje arriscado império americano. Em segundo lugar pela dimensão econômica de seu desenvolvimento, que é estratégica diante do fator social e ambiental, uma vez que a difusão da cultura cada vez mais reduz impactos através do meio digital.

Os modelos americanos de megaeventos, que também promovem grande impacto ambiental, podem ser adaptados à nossa realidade, buscando tecnologias de produção próprias em parceria com os vizinhos americanos ou brasileiros mais avançados nesse processo. Poderemos enfim potencializar o turismo histórico e natural, o turismo cultural. Sabe aquela música “Vou destruir o Ver-o-Peso (...) Coitada da Cidade velha, que foi vendida para Hollywood” ?? Não precisa ser assim. Mas alguém tem que fazer um dia um filme digno da dimensão do que foi a Cabanagem, por exemplo. Seremos nós?


Simbolismo e política, teoria e prática


Chegou a hora do Brasil e da Amazônia assumir seu protagonismo. Não vamos desenvolver Economia da Cultura com a mentalidade de “pequenos projetos culturais” apenas. A Lei do Procultura define algo muito importante para todos os que produzem cultura na região e precisam sobreviver para continuar produzindo. Mas é preciso um programa específico, como o que já esta sendo pensado e proposto pela regional do Minc, como um PAC da Cultura para a Amazônia.

É preciso aplicar nesse momento os princípios econômicos de Keynes para desenvolver essa economia. É preciso investir em infra-estrutura: teatros, gravadoras, companhias de teatro, fábricas de instrumentos, estúdio de cinema, na recuperação do nosso centro histórico, em Educação - que na Economia da Cultura é tão fundamental quanto uma Transamazônica no PAC da economia tradicional.

Não dá para pensar só no meu disco, na minha peça, no meu festival etc. É preciso identificar os investidores potenciais, os empreendedores que já tem know how e experiência e que podem conduzir esse processo em seus setores. Àqueles que podem achar que a indústria fere a magia, o encanto ou a mística, ou a identidade da cultura local, é preciso dizer mais. O modelo de desenvolvimento, nós vamos escolher com participação. A cultura muda, isso é fato. A cultura sobrevive, se adéqua, se transforma. E isso dependente da nossa disposição para digerir e dirigir as políticas públicas. Depende de nós. Nós podemos?

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O lado dos Porongas

Passam alguns minutos das 10 da noite quando chego ao Parque dos Igarapés, com minha amiga Karine Pedrosa, para o lançamento do Prêmio Curupira de Música Independente, uma iniciativa que promete marcar um novo momento da música do Pará, juntamente com outra série de acontecimentos importantes. Parece que é cedo para as festas no Parque. Los Porongas estão passando o som. Eles são, sem dúvida, a principal atração para os indies e roqueirinhos que compareceram à festa. Nem tantos assim. No geral o público é bem diverso e disperso, o que valeria mais tarde a sentença de Karine de que Belém vive uma revolução burguesa tardia. A sentença fica por conta da interpretação dos leitores.

Um amigo ligado na produção do evento me dá a dica, o furo da noite. João Eduardo, guitarrista dos Porongas, está de saída. Os Porongas são uma daquelas bandas em que seus integrantes vivem como irmãos e tal cumplicidade gera um som tão novo quanto autêntico e honesto. “Entrevista ele. É um furo”, garantiu meu amigo. Eu compro a ideia e na sequência já me vejo no chalé onde eles estão hospedados.

Poucos minutos depois, estou sentado na cama do vocalista Diogo Soares. Magrão, o baixista, e Anzol, o baterista, estão cada um em uma das quatro camas que ocupam o único cômodo no térreo do chalé. Karine, que insistiu em vir comigo, está sentada na outra, dedilhando o violão de João. “Diz que eu sou a nova estagiária da Pro Rock, prometo que não vou atrapalhar”, disse ela, empolgada com a ideia de acompanhar a entrevista.

O mote da conversa não é a saída de João, mas a mudanças que culminaram com o momento do segundo disco, “o segundo depois do silêncio”, contemplado com o Prêmio Pixinguinha, da Funarte. A produção foi conduzida pela banda tendo a frente das gravações João, que está de saída justamente para trabalhar a perspectiva nova de compositor e produtor. Após quatro anos em São Paulo com a banda, João disse que sai com as bases firmadas para o novo desafio. Carlos Gadelha o substituirá.


Gravado em São Paulo, ora em casa, ora em estúdios de músicos amigos, o disco foi lançado em fevereiro no Acre. Ainda não está nas lojas, mas vai chegar através do selo Baritone e da distribuidora Tratore. Em junho o disco foi disponibilizado pela banda para download. “Penso que é uma atitude de elegância, condizente como o nosso tempo. Não vamos ganhar dinheiro com o disco, podemos ganhar com os shows, com merchandisign”, explica Diogo, ainda tentando se adaptar às mudanças estruturais do novo empreendimento.

“Estamos sentindo a necessidade de viajar com um produtor, estamos trabalhando com uma equipe de produtores amigos. Com assessoria de imprensa da Renata Dornelles, que está dando super resultado. O disco já foi resenhado na capa do caderno de cultura do Correio Brasiliense, no Zero Hora de Porto Alegre, e em outras capitais do País. Só não saiu na Folha e no Estadão porque ainda não chegou nas lojas”, prossegue Diogo.

Esse novo momento dos Porongas parece conciliar, como em uma das canções do novo disco, os dois lados de uma mesma moeda. A paixão e a busca de um profissionalismo. “Não existe um emprego que eu queira mais nesse momento do que ser vocalista dos Los Porongas”, confidencia Diogo.

A profissionalização, aliás, está na base das mudanças que deram o resultado estético desse novo disco. Magrão é o único que não largou o emprego diurno, ainda trabalha no banco. Mas vive a música muito mais. Pela primeira vez teve aulas de contrabaixo. Anzol, que já era o principal instrumentista quando a banda saiu de Rio Branco, há quatro anos, também tem se dedicado ao estudo do instrumento.

“O que mudou basicamente é que há quatro anos nos éramos todos funcionários públicos. E hoje nós somos muito mais músicos. Não tem como você não evoluir se dedicando exclusivamente a isso. Querendo apenas isso como sua profissão mesmo”, conta Anzol.

O processo ajudou. No primeiro disco, lançado pelo selo Senhor F, foi gravado em Brasília, com Phelipe Seabra, a banda tinha, basicamente, baixo, bateria e guitarra. Neste novo trabalho, sem a imposição do relógio no estúdio, ousaram gravar viola caipira, teclado, programações e percussão. “É diferente gravar em casa. Você para, fuma um baseado, pensa mais na música, volta para gravar”, diz Anzol.

Mas claro que não foi só o processo. Mudou muita coisa porque são pessoas e músicos diferentes hoje. Ver e conviver com outros músicos, como eles tocam e cantam é uma citação de Diogo, que se refere a Tulipa Ruiz e Hélio Flandres, do Vanguart, entre as pessoas que lhe ajudaram a entender um novo jeito de cantar. O contato com Dado Villa-Lobos, que produziu uma das músicas do disco, também colaborou com isso.

“O silêncio...” parece um grande experimento onde os Porongas exercitaram e evoluíram o seu jeito de fazer música.



Paixão versus política


A paixão, o outro lado da moeda. Quando Dado Villa-Lobos soube que eles largaram tudo no estado de origem para tentar a vida como músicos em São Paulo, disse: “pensei que não existisse mais esse tipo de malucos”. Essa paixão é o que os motiva. Mas tem também as desilusões, que são sempre boa munição para canções.

A paixão se contrapõe à política. E por isso mesmo eu titubeio em falar no assunto que há cinco anos parece dominar a cena independente brasileira, desde o surgimento do Circuito Fora do Eixo, ao qual a banda esteve muito ligada no início. Mas Diogo parece não se incomodar. Reconhece a importância e fala com segurança das ações do FDE. Cita também o programa Conexão Vivo, que ele considera a melhor plataforma de circulação do país hoje. Mas garante que o caminho na música vai além disso.

“Sempre penso que a política é uma força de conservação, enquanto que a arte é uma força de transformação. Toda situação política exige tato para você lidar com o poder, com um engajamento necessário. E a gente quer é fazer música. A gente quer tocar.
A gente tem se pautado nas parcerias. Na vontade das pessoas se conhecerem, de confiarem e quererem fazer as coisas juntas”, conta ele.

A fala mansa e segura e uma atitude que não demonstra nem ressentimento nem empolgação parece camuflar a crítica mais dura que vem a seguir. “A gente mesmo é bem outsider disso. Vivemos nos quatro anos que estamos em São Paulo bem longe do Fora do Eixo, e o próprio circuito não fez muita questão de saber como se relacionar com os Porongas. Às vezes fico muito temeroso com esses discursos coletivistas, principalmente quando há uma exclusão velada. Só não incomoda mais porque a gente está fazendo o que a gente vive, o que a gente escolheu”.

Após a entrevista, durante o show, quando Diogo tocou “Fortaleza”, a climática faixa de seis minutos que abre o disco, mandou um recado: “Essa nós fizemos por causa de certas exclusões veladas que existem na cena independente”. Na faixa ele instiga: “Como é que vão dizer o que não é e você vai ficar calado?”. E como se estivesse reafirmando o papel da arte sobre a política quando pergunta: “Quem vai poder plantar as flores que nascem na cabeça?”.

Com crítica ou sem crítica, o fato reconhecido pelo amadurecimento dos músicos é que, “no começo era tudo mais desarticulado. Hoje em dia o deslumbre com um falso glamour é muito menor.” E isso se deveu a toda essa movimentação da cena independente, com a qual, sem dúvida, o Circuito colaborou muito.

O papo também não poupou a nova Ministra da Cultura, Ana de Holanda, que, segundo Diogo, parecia não entender o que estava sendo feito antes dela chegar. “Isso é comum nas políticas culturais no país inteiro. Aliás, não só nas políticas culturais. Entra um novo governante e interrompe as políticas que foram construídas com a comunidade. Acho que isso é uma mazela da nossa democracia”.

Diogo garante que é um direito do Fora do Eixo reivindicar uma política que ajudou a construir com a participação das pessoas. Por outro lado, as políticas culturais ainda permitem prêmios editais como o Pinxiguinha. “Talvez isso [o encerramento de um ciclo na política pública] instigue ainda mais as bandas a fazerem os seus corres independente de apoio de governo”, opina Anzol.

Mas não dá para se iludir. Não existe maneira de se manter em São Paulo tocando na Augusta. “O custo de vida de São Paulo é muito alto. Comparável a Manhattan. A cena independente não está tão estruturada a ponto de garantir a sustentabilidade das bandas”, diz Anzol. “Não existe fórmula”, completa Diogo. De qualquer modo, “a vontade do cara tocar guitarra e montar uma banda sempre vai existir”. As lições de oito anos de carreira e quatro morando em São Paulo continuam: “O que você precisa entender é que a gente vive num mundo capitalista e se você quer viver de música você precisa se adequar a seu tempo.”


Não tem nem meia hora de gravação e o papo parece que durou muito mais. João chega e confirma tudo que foi dito sobre a sua saída. Depois da confraternização com os músicos de Saulo Duarte, a gente se despede para a banda se concentrar antes de ir para o palco. No caminho de volta para a festa, Karine pergunta: “Só uma dúvida de estagiária, naquela parte em que ele diz que fumava um baseado entre uma gravação e outra você transcreve exatamente o que ele disse?”.

Voltamos e o público tinha aumentado. Até as 7h da manhã muitas pessoas se confraternizaram ao som de 12 curimbós ritmando o swingue da Música do Pará.


Quebrando o Silêncio


“O segundo depois do silêncio” começa com “Fortaleza”. Climática, a faixa tem seis minutos de uma poesia meio ressentida, meio magoada. Os efeitos e os arranjos são grandiosos. O clima é de expurgar, de liberar certa raiva: “No lugar de onde nunca vim / que amigos já não sei quem são? / Do que eu me esqueci por indelicadeza?”.

“Cada segundo” começa com belas frases de guitarra, sob um arranjo que mantém o clima etéreo dos teclados e efeitos. Melodias belíssimas duelam com a poesia passional de Diogo. E o expurgo continua: “O mar do medo é uma gota pra se navegar”.

O clima progressivo segue com “Bem Longe” e a grandiloqüência dos arranjos já quase demonstra cansaço, quando “Dois lados” nos salva. Não adianta. É um disco para ser contemplado e se você não tiver disposição para desvendar as melodias e letras, então não perca seu tempo. É um disco para ser descoberto. “Quando o barco balançar / Você vai permanecer / Eu pulo”. Os metais e a viola caipira no arranjo de “Dois lados” faz dela uma das melhores do disco.

As faixas são longas, mas as letras e as melodias grudam, contrariando as formulas de bolo das canções radiofônicas. A comparação com a Legião Urbana é inevitável nem tanto pela estética, mas pela postura. E Dado Villa-Lobos imprime sua marca com a produção de “Sangue novo”. Durante os solos de guitarra parece que estamos diante dos melhores momentos do pós-punk brasileiro. “Silêncio” é a música de trabalho, tem menos de quatro minutos e virou o primeiro clipe.

No próximo destaque, Hélio Flandres empresta seu jeito blazé para tornar “Mais difícil” uma balada blues de doer no coração. Nessas horas a gente pensa que muito das críticas a alguns emergentes e independentes artistas está contaminada com a política e menos tem haver com música. E dá para entender (lembrar?) onde reside o sentimento que nos provoca que nos instiga na música.

E já não bastasse tudo isso e o que ainda nos resta até chegar à última das 12 faixas do disco, Mauricio Pereira (Ex-Mulheres Negras) é mais um a abençoar a escolha dos Porongas pela música. Ele encerra o disco com a participação em “Longo Passeio”, onde finalmente a melodia já não precisa nem de letra para te pegar. Se fosse um “papapá” fácil de qualquer banda de power pop seria bem diferente. Mas não se trata disso. Não é um disco fácil. É um disco raro.


*Nicobates foi ao lançamento do Prêmio Curupira Antenado a convite da organização do evento. As fotos são de Nayane Muniz e de Thiago Araújo e foram fornecidas pela produção do evento.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ecad: Máquina de fazer dinheiro

No ano passado o Ecad arrecadou algo em torno de 350 milhões de reais. É uma arrecadação muito grande, dizem, e continua crescendo a cada ano. Mesmo tendo que apurar cerca de 80% de suas receitas por via judicial, o Ecad é uma máquina de fazer dinheiro. Tem a legislação e o preceito de legitimidade a seu lado, pois as associações que o mantém, com seus próprios recursos, são entidades que representam os compositores e autores brasileiros. Estas associações, que são as representantes legais dos compositores, doam parte significativa de suas receitas para manter o Ecad.

O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição do Direito Autoral (Ecad) cumpre a função que o autor sozinho não poderia cumprir. O de aferir e recolher os direitos pela execução de sua obra. Imagine o autor, sozinho, indo de bar em bar, de rádio em rádio cobrando o seu legítimo direito pela execução de sua obra. Seria algo difícil, você não acha? Mas ele pode fazer isso se quiser. É permitido e facultado por lei.

Mas porque recolher direito autoral? Por que tentar ser remunerado se a gente aprendeu nas ultimas décadas que não era possível ganhar dinheiro com direito autoral? Houve muitas distorções no meio do caminho, mas uma coisa é certa: bares, veículos de comunicação, academias, lojas e muitos estabelecimentos comerciais ganham dinheiro vendendo serviços ou espaços publicitários que se utilizam da música como atrativo. Você escuta a rádio pela música, mas a uma rádio se aproveita de que você a ouve por causa da música e vende espaços de publicidade. Assim, é justo que você ganhe pela utilização de sua obra.

A cultura da distribuição gratuita da internet e a falta de mínimo senso profissional dos compositores da geração digital, principalmente aqueles de regiões periféricas onde o mercado cultural ainda não se estabeleceu, faz parecer uma coisa absurda pensar em ganhar dinheiro com direito autoral. Mas, como se pode ver, o dinheiro existe. Essas execuções geram dinheiro e alguém está ganhando em cima dessas obras. Se você não recolhe, outros recolherão por você. Há alguns meses a impressa noticiou o caso de um espertinho que se disse co-autor da trilha sonora de vários filmes. A associação a que ele se filiou acreditou (ou foi conivente, isso ainda está sendo apurado) e ele recebeu um cheque de R$ 110 mil por obras que nunca compôs.

Enquanto isso, autores paraenses que cresceram na cultura da distribuição digital, foram procurados para recolher seus direitos através de uma associação e nunca tiveram interesse em se filiar. Escuto muitas queixas de músicos que acreditam que não tem nem tempo nem dinheiro para cumprir a burocracia de recolher seus direitos autorais. E tem artista que tem música em filme da Globo. Os direitos autorais retidos são garantidos por cinco anos. Depois disso, eles serão redistribuídos pelos maiores arrecadadores integrados ao sistema. A CPI do Ecad tem apurado que os dirigentes do órgão trabalham com metas de arrecadação e ganham polpudas comissões em cima dessas metas.

Autores independentes como Madame Saatan, Elder Effe e outros paraenses já cumprem ações básicas de informar o Ecad quando tocam em festivais ou quando tem sua música executada em rádio ou TV. Isso, às vezes, garante que seu dinheirinho seja recolhido e some no caixa da empresa, que deve ter faturamento pra se manter.

Converso com compositores novos que dizem não acreditar “nesse papo de associação” e que se recusam completamente a se associar para qualquer fim. Cheguei a ouvir deles que deveriam ganhar pela execução de sua obra, mas isso deveria ser automático, sem o envolvimento do artista. Seria ótimo se fosse assim, mas a vida não tão fácil quanto parecia quando a gente pegou o violão pela primeira vez pra fazer música.

Pena Schimit, uma referência para qualquer profissional de música no Brasil, indie ou mainstream, disse em artigo recente que o artista deve estar de olho no seu direito autoral. É o mínimo. Por isso, é bom entender como funciona o sistema de arrecadação e distribuição de tal dinheiro.


Enquanto isso, na Câmara dos Deputados

Em junho estive na reunião da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados em Brasília. Foi a última reunião antes da instauração da CPI do Ecad. Estavam presentes na mesa, vários estudiosos advogados que denunciaram práticas recentes do Ecad. Estava na mesma mesa também o Leoni, aquele cantor pop que tocou com Kid Abelha e fez parte da banda Heróis da Resistência e que hoje aparece em um monte de revistas como referência de artista que sabe lidar com seu público na era digital. Leoni integra um movimento de artistas que se chama “A Terceira Via do DA”. Leoni disse que leva uma vida confortável graças aos direitos autorais que lhe são repassados por suas obras.

Lá também estava Téo Ruiz, paranaense que integra o Fórum Nacional da Música (FNM), movimento fortalecido pelas ações da gestão de Gilberto Gil e Juca Ferreira frente ao Ministério da Cultura. Teo Ruiz escreveu um livro chamado “Contra a Indústria”, em que prega formas modernas de gestão de carreira longe do “esquemão” da Indústria Fonográfica. Lá estavam os deputados, a superintendente do Ecad, Glória Braga, e artistas famosos que defendem o modelo atual, entre eles Sandra de Sá e Walter Franco. Esses não estavam na mesa e ficaram somente até a hora de fazer suas falas e posar para as fotos. Depois pegaram o avião de volta pra São Paulo e para o Rio.

Nenhum deles, absolutamente nenhum deles, se manifestou a favor da extinção do Ecad. É pouco provável portanto que qualquer reforma da Lei de DA diga que o autor não deve receber pela execução de sua obra. O que todos querem é reformular a lei e/ou regulamentar os princípios que medem a arrecadação. A atual Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, já dizia que existem na lei atual mecanismos de aferição, de cessão de direitos e tudo o mais que a legião de produtores, autores e agentes digitais prega. Ou seja, não precisaria de reforma, basta que os interessados busquem fazer valer os seus direitos.

A Funarte chegou a criar um edital para premiar “propostas alternativas” ou ‘inovadoras” de gestão de direitos autorais. Não sei se vingou. É verdade que a lei permite que você não se associe e que você recolha direitos autorais sozinho. Mas é impossível se concentrar em sua carreira e fazer isso ao mesmo tempo. As associações existem para isso e ganham para isso, e ganham em cima do que elas arrecadam, por isso, o autor não perde nada. O investimento dele já foi feito quando ele compôs, gravou e divulgou seu trabalho. Esses três procedimentos juntos garantem a entrada de sua obra em um circuito comercial e logo lhe garante a arrecadação, ou deveria, mesmo que ela seja pequena.


A exceção de algumas emissoras de TV e rádio, que emitem relatórios detalhados, o Ecad recolhe por “amostragem”. Ou seja, ele aplica regras estatísticas para projetar, em cima de poucas horas de programação gravada, a execução das obras dos autores filiados. Essa é a maior distorção. A programação da rádio não segue uma ordem aleatória de progressão aritmética ou geométrica como se entendem as regras estatísticas.

Se você desconsiderar o jabá, a programação da rádio e da televisão segue a intenção dos programadores segundo suas necessidades estéticas e gostos pessoais naquele horário e naquele programa. Assim, eu posso tocar uma ou duas vezes num programa de rock e nunca aparecer numa amostragem do Ecad, porque ela foi feita em horário comercial.

Na televisão, o Ecad garante que a arrecadação é feita por obra. Toda obra executada é registrada e repassada ao Ecad em um relatório de execução. Glória Braga afirmou que existem mais de 350 mil autores registrados no Brasil mas as grandes emissoras só executam 19 mil deles. Quando ela falou isso, a platéia gritou “jabá” do lado de cá.

Mas a arrecadação pode ser pulverizada pelas emissoras regionais e segmentada por estados e municípios. Se as rádios públicas e universitárias de cada estado e município, assim como emissoras regionais de televisão, se dispuserem a trabalhar em parceria com entidades representativas, elas, que não deixam de pagar o Ecad de qualquer modo, podem contribuir ao menos para que a distribuição seja mais justa.

Já perguntei a um ex-diretor de rádio pública e ele disse: “Nós pagamos o Ecad, vá lá recolher seus direitos!”. O diretor, ex-sindicalista, sabe defender seus direitos certamente, mas não era muito preocupado com o direito do artista. Quando eu perguntei se ele tinha informado a programação da Rádio, ele disse “isso é problema do Ecad ele é que tem que ouvir a Radio e dizer quem a gente tocou!”.

Pois é, se a Radio não informar nós ficamos na mão do Ecad, que também tem seus problemas para aferir, arrecadar e distribuir. É necessário um novo pacto entre autores, suas representações, executores que ganham com a música e o poder público para tornar essa arrecadação mais justa e mais equilibrada, de modo a incentivar a produção do artista regional, aquele que não toca na Globo mas toca na TV Liberal ou na TV Cultura.

Segundo um relatório de dois meses atrás, as rádios paraenses, segundo me informou a minha associação, devem cerca de R$ 15 milhões ao Ecad. A Funtelpa, por exemplo, devia, segundo o Ecad, até o mês passado quase R$ 90 mil. Essas rádios sempre pagam porque ao contrário do exercício direto do músico, as execuções são consideradas comerciais. E o Ecad sempre leva na Justiça mesmo fazendo acordos. Mesmo que o dinheiro seja desviado dentro do Ecad, como estão comprovando as investigações da CPI.


Eu, independente também?

Você pode pensar: no meu caso, que sou musico independente, e não vivo disso, tenho outro emprego, compensa a burocracia, o gasto de energia de se inscrever numa associação para receber? Além da questão de compensar o investimento, há uma questão latente na sua possível omissão. Você ajuda a viciar o sistema se você se omite. Como cidadão e como profissional, você tem responsabilidades. Não adianta fugir delas. O Brasil está entrando em uma nova era de desenvolvimento econômico e social. A tendência é que a informalidade seja banida do mercado, e é preciso acompanhar os novos tempos.

Mesmo viciado, o sistema do Ecad é estudado por acadêmicos europeus porque seu modelo é mais justo em princípio. Só que, como o sistema é complexo e o artista não se envolve, acaba dando margem para desvios e distorções.

Na Europa, por exemplo, não existe fundo retido. O fundo retido é aquele dinheiro que é recolhido, mas não é repassado porque os autores dessas músicas não são associados às entidades mantenedoras do Ecad. No Brasil, esse fundo fica guardado por cinco anos depois é redistribuído entre autores e funcionários do Ecad como vem mostrando as investigações da CPI. Lá na Europa se sua música não é identificada na aferição o dinheiro entra no bolo de quem é. E pronto.

Mexer com o Direito Autoral hoje em dia implica em mexer em vespeiros de deputados e senadores que detém concessões publicas de veículos de comunicação de massas. Mas há uma CPI sobre o caso em curso. Por pouco e por ignorância dos músicos não emplacamos uma cadeira no Conselho Nacional de Comunicação. Isso quer dizer que mudanças são possíveis. E elas começam bem pequenas, conversando com o dono do bar que você conhece e que toca a sua música, conversando com o diretor de programação da rádio pública ou da radio universitária que você conhece. Conversando com outros artistas e outros músicos que como você passam pela mesma situação. Se organizando para uma gestão mais justa dos direitos e deveres que envolvem o exercício da profissão que você escolheu.




Fotos: Leoni, Teo Ruiz na mesa da audiência na Câmara dos deputados (1); Glória Braga, superintendente do Ecad, preparando0-se para dar entrevista (2); O poster e Malva Malvar, membros do Colegiado Setorial de Música em Brasília (3); Sandra de Sá e os artistas que defendem o Ecad na plateia da Comissão de Educação e Cultura na Câmara


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domingo, 31 de julho de 2011

Artigo sobre Tecnobrega



O artigo abaixo foi escrito sob encomenda para a Revista PZZ. Pelo atraso da revista e pelo acúmulo de textos sobre o mesmo tema, decidimos não publicar meu texto na revista, já que Patrick Torquatro, Marcel Arede, Felipe Cordeiro e Vladimir Cunha escreveriam sobre o mesmo assunto. Decidi então fazer um texto sobre o rock paraense. Trago para o blog a minha versão sobre o tema do tecnobrega, para não deixar passar em branco. Como trato de uma discussão que já se deu há algum tempo, principalmente se considerar o tempo na web. No entanto, considero importante o registro para reflexão inda mais pelo mínimo distanciamento.


MÚSICA PARAENSE

A polêmica do tecnobrega

Economia, sociologia e cultura se misturam no debate sobre o gênero musical paraense que ganha o mundo e contraria seus conterrâneos

Por Elielton Amador*

O debate sobre as tendências de mercado e cultura envolvendo o gênero tecnobrega paraense continua rendendo muitas polêmicas. Poucas vezes, um produto musical se afirmou nacionalmente sob tantos protestos, discursos, análises e jogadas de marketing. A discussão teórica, ou “pseudo teórica”, sobre o assunto, porém, parece briga de foice no escuro, tiroteio de cego: cada um atira para um lado e quase todos erram, quando acertam não deixam boas sequelas. Depois de muito relutar, decidi meter o meu bedelho e contribuir para esse debate que começo a julgar de importante para o Pará e para o Brasil.

Atualmente, o debate interno parece polarizado entre os “detratores” e os “defensores” do gênero, e as opiniões parecem estar contaminadas por interesses pessoais ou pela emoção. Antes de mais nada, preciso dizer que este artigo não defende somente uma opinião. É fruto da análise de um jornalista e de um produtor, um agente público que tem trabalhado durante anos no fortalecimento da cadeia produtiva da música no Pará. Formado em Jornalismo, pós-graduado em Comunicação e Política, também sou músico, guitarrista e produtor há 18 anos. Participo ativamente desde os meus 16 anos de idade da vida cultural do estado. Também sou integrante do projeto Pará Pró Música, a primeira tentativa do SEBRAE-PA de profissionalizar o mercado musical paraense, onde tive aulas de Gestão, de Controle Financeiro, de Tributação e Análises de Mercado, além de ter viajado pelo Brasil participando de festivais, feiras e seminários sobre o tema. Sou membro do Fórum Nacional da Música (FNM) e representante do Fórum Permanente de Música do Pará (FPM-PA). Sou delegado do Colegiado Setorial de Música, que compõe o Conselho Nacional de Políticas Culturais, do Ministério da Cultura.

Longe de ostentar meu currículo, considero essa identificação um cuidado necessário, pois cada análise tem seu lugar de fala. Senão vejamos a própria origem da polêmica: A questão foi suscitada porque um deputado do PT (Paulo Bordalo) propôs na Assembléia Legislativa do Pará um Projeto de Lei para transformar o tecnobrega em Patrimônio Cultural do Estado. Quando o governador Simão Jatene (PSDB) vetou o projeto aprovado na Alepa, a polêmica estourou com ares de mera birra política, um grupo contrariando o outro. No entanto, a história não é bem assim. Por mais estranho que pareça, o tecnobrega tem detratores e defensores na mesma proporção em vários segmentos políticos ou sociais.

O mais impressionante é que o coro dos descontentes só soa internamente. Fora do estado, praticamente não existe quem seja contra o gênero e suas variações estilísticas. Seja defendendo uma legítima manifestação popular, seja vislumbrando ares de modernidade irrefletida em intelectuais de classe média, o tecnobrega ganha cada vez mais espaços na TV, nos jornais e, principalmente, na internet. Além do mais, ele ainda é considerado precursor de um modelo de negócios que dribla a crise em que o mercado fonográfico se afundou na década passada.

Tentando entender os motivos que levariam os paraenses a serem avessos ao novo fenômeno nacional, o jornalista Valdimir Cunha escreveu um artigo no Diário do Pará (A encruzilhada do Tecnobrega, 24/04/2011) onde enumera uma série de fatores sociais e culturais que poderiam levar o paraense a ser contra a defesa do gênero como patrimônio cultural. Os argumentos sociais chegam a ser óbvios para quem mora na cidade. No entanto, a proposição “as mazelas sociais e a negação de nossas raízes culturais invalidam o tecnobrega como música a ponto de sermos contra ele se tornar patrimônio cultural do Estado?” soou estranha, uma vez que a dimensão cultural do gênero ainda passa longe de sua dimensão econômica, precariamente analisada no mesmo texto.

A afirmação é suspeita porque Vladimir, também diretor do documentário Brega S/A e roteirista de programas de televisão explorando certo populismo de periferia, é uma parte muito ligada ao negócio incipiente para se pronunciar como um analista isento de abraçar questão tão acadêmica quanto a elevação de um gênero musical a uma condição sociológica. Vladimir (e o grupo de defensores do gênero) foi alvo de uma crítica mordaz e direta, apesar de não ter seu nome citado, no artigo “Os sociólogos de aparelhagem”, publicado no dia seguinte no site Belém do Pará, pelo também jornalista Anderson Araújo. Anderson recorreu a um relato obviamente passional de sua vida para negar esse tipo de música e se defender dos patrulheiros de classe média, para os quais falar mal do tecnobrega é um pecado mortal. Ele justificou que nasceu e cresceu na periferia de Belém e nem por isso se vê retratado nessa cultura que ganha destaque nacionalmente. Assim como Vladimir, Anderson levanta pontos pertinentes, como o fato de que a questão está ainda em formação:

Foi quando essa classe média descobriu o ritmo que tudo começou a se complicar. A imersão na periferia desses novos apreciadores deu início à tentativa de moldar uma fundamentação sócio-cultural-política-estética em torno do que ainda está em construção e, pelo menos, deliberadamente, não tem essa pretensão intelectual.

Mas ele gastou mais linhas do que precisava com sua própria biografia, e deixou passar em branco aquilo que considero suficientemente importante para ter escrito eu mesmo o meu artigo sobre o tema. Anderson se deixa cegar pela emoção e perde a chance de fazer uma análise mais isenta. A comparação dos dois textos me fez observar alguns pontos sobre a questão que me parecem embaralhados também pela falta de mínimo conhecimento teórico sobre os temas da cultura e da economia da cultura.

O primeiro deles é a Estética, que está na base das principais críticas ao gênero. Todos os seus detratores alegam que se trata de um estilo pobre, que não tem melodia nem harmonia e tem baixa qualidade de produção. Esse ataque veio muito antes da polêmica entre Vladimir e Anderson, quando outro jornalista, o também sociólogo Lúcio Flávio Pinto (que aparece em Brega S/A fazendo o contraponto ao coro dos contentes) em artigo de seu Jornal Pessoal chamou literalmente o gênero de lixo (Tecnobrega: lixo em forma de música – Jornal Pessoal - Janeiro de 2009). “Já houve criação humana mais horrorosa em matéria de música do que o tecnobrega? Eu não conheço”. É assim que LFP começa seu texto, descartando qualquer “sociologismo” sobre o tema. E provoca o ódio dos defensores do gênero quando afirma:

A música paraense de raiz é monótona, repetitiva, dominada pela marcação do ritmo, que cada vez mais sufoca as outras partes (mais relevantes) da composição. Ouve-se com deleite três números de carimbó. A partir daí, a exaustão vem rápido. Um disco inteiro de carimbó demarca na audição a exigência de quem ouve. Uma festa só de brega é passaporte para o rebaixamento do gosto. Uma única música de tecnobrega é tortura auditiva. Com o som estourando o registro dos decibéis, é poluição humana certa.

Sendo morador da periferia de Belém (moro na Sacramenta, desde a adolescência), fui obrigado a escutar o tecnobrega nas ruas, nos ônibus e mesmo dentro de casa, pois que os sons das aparelhagens ambulantes muitas vezes não poupam sequer o retiro do lar. Por esse motivo também fui avesso ao gênero e sei que se trata ainda de uma música com sérias deficiências técnicas, além de gosto muitas vezes duvidoso. Sempre preferi, como Anderson, o brega clássico, o Yeah Yeah Yeah, mas cresci mesmo foi ouvindo a música brasileira e paraense popular que hoje em dia soa demais sofisticada em relação aos estilos emergentes. Falo da música de Nilson Chaves, Vital Lima, Fafá de Belém, Chico Buarque e Caetano Veloso [só depois descobri o rock]. Porém, fosse por obrigação de oficio ou por imposição social, acompanhei a evolução do gênero. De tanto praticar seria impossível que os produtores do tecnobrega não evoluíssem, segundo, e seguindo, padrões de mercado que eles tentam copiar à exaustão. É notável hoje como podemos escutar tecnobregas, melodies e tecnomelodies (a evolução do gênero) de boa qualidade técnica e recursos estilísticos cativantes. Já cheguei a ouvir no carro as rádios populares na ausência de programações mais qualificadas (ou diversificadas) em outras rádios. Ademais, a maior representante do gênero hoje, Gaby Amarantos, é uma artista com enorme talento e potencial, independente do estilo em que ela atue. Além do carisma, Gaby tem uma voz fenomenal. O seu próximo disco, ainda inédito, produzido por Carlos Eduardo Miranda (Raimundos, O Rappa, entre outros artistas de renome nacional), deve trazer a carga da pressão sociológica, a cobrança dos setores intelectualizados da sociedade paraense para que esse gênero evolua. E isso não é ruim. Sob pressão é que se evolui.

Por outro lado, como produtor executivo, aprendi a não pensar somente do ponto de vista estético. Gosto se discute, mas tem limites. E em algumas situações não se discute mesmo. Quando era diretor da Associação Comunitária Paraense de Rock – Pro Rock, ouvi do então presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), Pena Schimidt, que dentro de uma associação não se discutia valor estético. Schmidt dizia que a associação era um instrumento de fortalecer o setor. “A disputa estética se dá do lado de fora, pelo público”, disse ele para mim e para Ícaro Suzuki (contrabaixista da banda Madame Saatan), que era então presidente da Pro Rock ainda em 2005. Talvez ele tenha mudado de ideia, mas em 2005 era o que ele dizia. Parece-me atual.

E aqui entra a questão central que considero em relação ao tecnobrega: seu valor de mercado. O gênero foi reconhecido mundialmente como modelo de negócios. Na verdade, uma espécie de Arranjo Produtivo Local informal e gigante que se fechava na cidade e no estado, ainda de maneira precária. Para uma abordagem curta do que é um APL, a Wikipédia é eficiente:

O Arranjo Produtivo Local (APL) é um conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos de produção, interação, cooperação e aprendizagem. Os arranjos geralmente incluem empresas – produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, etc., cooperativas, associações e representações - e demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento.

Há quem duvide da eficiência desse APL assim como propagandearam os estrangeiros que vieram aqui pesquisá-lo, mas é bem provável que ele funcionasse (e ainda funcione) bem num mercado frouxo, principalmente na regulação dos direitos de autor (leia-se pirataria) e na tributação de um produto completamente informal. O avanço desse gênero além das fronteiras desse grande APL, porém, se mostra problemático. Sem o incentivo governamental, o gênero sobrevive nos limites do estado, mas, quando avança para novas fronteiras, precisa não somente de incentivos como de uma estratégia orquestrada de marketing para afirmar sua identidade na grande mídia nacional.

Há muitas questões sobre isso, mas vou me ater ao tema proposto. Quando efetivamente atinge esse estágio, o tecnobrega é um valor da cultura, ou melhor, da economia da cultura paraense. (Ainda) Não é patrimônio imaterial, mas pode vir a ser um fator de desenvolvimento econômico e social importante. O investimento nele e nos demais gêneros e estilos musicais paraenses se torna estratégico, se aplicado segundo critérios que tenham em vista esse desenvolvimento. Sua evolução pode contribuir para a consolidação de um mercado cultural e fonográfico no Pará, assim como o axé o fez na Bahia.

Muitos dos produtores culturais no Brasil afora são unânimes em afirmar que o mercado cultural de Salvador evoluiu graças ao axé mas não se restringiu a ele. Para se ter um exemplo, os organizadores do Wacken Open Air, o maior festival europeu de heavy metal, e um dos maiores do mundo, devem realizar em 2012 uma grande edição brasileira do evento. E quem vai executar o projeto é uma empresa baiana. Como o mercado paulista do showbusiness está pautado (e saturado) em grandes eventos comerciais e internacionais, foi na Bahia que Airton Diniz, o editor chefe da Roadie Crew, franqueador do W.O.A no Brasil, encontrou os empresários dispostos a realizar o evento. “É a expertise deles, realizar grande eventos, mas os alemães só toparam fazer com a nossa consultoria, pois eles dizem que nós é que sabemos de heavy metal”, disse-me Airton Diniz em entrevista recente quando esteve em Belém para a seletiva regional do W.O.A deste ano.

O negócio da música na Bahia também foi cercado de investimentos sociais e acompanhado do interesse de artistas de renome, como Carlinhos Brown, no desenvolvimento desses mesmos projetos sociais. Uma cidade que cresce como Belém precisa de projetos sociais envolvendo a arte, a cultura e a educação para amenizar os impactos desse crescimento, que muitas vezes aumenta o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Isso é mais urgente do que qualquer vaidade ou orgulho intelectual. Eu, que continuo morando na Sacramenta, vizinho do Barreiro (bairros onde prolifera não só o tecnobrega mas a criminalidade) e que já fui assaltado por adolescentes de mão armada na porta de casa, sei bem disso.

Artistas de origem pobre como são os que representam o tecnobrega tem todo o direito (como todos nós, aliás) de poder ascender socialmente, e isso não tem nada a ver com sua arte ser patrimônio cultural instituído. O tempo ainda comprovará seu valor artístico e certamente há muitas honrarias que esses artistas hão de conquistar. Considerando o aspecto imaterial da cultura, porém, é sempre bom lembrar que, por mais que a produção cultural e artística possa alimentar uma cadeia produtiva, ela é uma manifestação subjetiva do espírito humano, individual, que reflete a realidade e a vivência de pessoas mais ou menos envolvidos com seu povo e sua sociedade. Sua manutenção e sobrevivência não deve depender apenas do Estado, mas, principalmente, da vontade da sociedade. Pois que se esta cultura representa a nossa identidade, mantê-la, assim como manter o artista, depende de nós querermos ter essa identidade reconhecida perante o mundo e perante nós mesmos. Ela também pode ser nossa representação, nosso instrumento de auto-afirmação diante da nação e do mundo. Isso, através do tecnobrega ou de qualquer outro gênero musical, deveria ser interesse da iniciativa privada, por exemplo, que se nega a investir em cultura no Pará. Há esse é um ponto crucial. Onde está a iniciativa privada paraense que não investe em cultura como possibilidade de desenvolvimento social e econômico?

A auto-afirmação de identidade tem sido a principal estratégia de marketing utilizada pela própria Gaby Amarantos. Mas essa estratégia é melhor identificada, até agora, por jornalistas de fora como é o caso de Pedro Alexandre Sanches, que escreveu o mais emblemático artigo sobre a artista depois da apresentação dela na última Virada Cultural de São Paulo. É o que está por traz da alcunha de “Beyoncé do Pará”. A cantora americana Beyonce não é apenas uma artista identificada com um estilo, mas com a qualidade de sua arte no gênero que ela representa (pop e black music). No tempo certo Gaby negou o apelido, como mostra a resenha de Pedro Alexandre Sanches no texto do IG:

Por conta de uma versão tecnoindígena de ‘Single Ladies’, Gaby já foi vendida nos domingões da Globo como ‘a Beyoncé do Pará’, e capitalizou o marketing, mas não parece mais satisfeita com o codinome. Resiste em atender os pedidos para que cante a versão ‘Tô Solteira’. Faz só um trecho e profere mais uma frase de afirmação de identidade: ‘Beyoncé é maravilhosa, mas eu amo ser Gaby Amarantos.

Ao que parece, nossa visão passional das coisas, ainda nos impede de ver a dimensão real desse fenômeno e capitalizá-lo a favor do nosso desenvolvimento. Felizmente, a evolução natural do mercado e a consciência gradativa desses fenômenos começam a mudar essa realidade. Medidas institucionais corretas se fazem necessárias para que esse impulso não retroceda e continue avançando progressivamente. A música paraense tem muito potencial em seus estilos e gêneros para os negócios. No entanto, todas essas dimensões (culturais, econômicas e sociais) devem ser consideradas principalmente pelo Estado quando implantar políticas públicas para o segmento.

Neste artigo, que não se propõe a ser um artigo acadêmico, ainda que suscite questões teóricas sobre as três dimensões da cultura, existe um conceito expresso logo no inicio, o de lugar de fala, conceito que define ao mesmo tempo minha autoridade e meu viés para falar sobre o assunto. Evidentemente que somente a questão lingüística de afirmação do tecnobrega suscitaria um estudo acadêmico, assim como a economia do mesmo já provocou. Outros conceitos, como a formação discursiva, muito abordada pelo filósofo francês Michel Foucault, seriam temas de abordagens acadêmicas específicas, mas eu não tenho essa pretensão no momento, ainda que o tema necessite desses estudos (deve haver algum estudante debruçado sobre o tema).

O que pretendi aqui foi expor a minha visão, razoavelmente esclarecida pela minha experiência profissional e pelas pesquisas que desenvolvo nessa área, sobre essas dimensões da cultura. Há aqui, sem dúvida, algum juízo de valor, mas ele também está submetido à apreciação do leitor. Não querendo ser eu o guardião de sentenças finais sobre o tema. Gostaria apenas ainda de ressaltar, quanto aos artistas, que penso que eles tem o compromisso moral, assim como Joelma e Chimbinha o demonstram ter, e como Gaby tem demonstrado publicamente, de manter e alimentar suas raízes, trabalhando pelo desenvolvimento social do lugar onde nasceram. Na discussão recente sobre os direitos autorais, em vigor hoje no Brasil, tenho visto artistas famosos somente preocupados com uma dimensão da política cultural vigente hoje no país: a dimensão do próprio ego. Mas isso é outra questão a ser superada. Por enquanto, essa era a contribuição que eu gostaria de dar nessa polêmica.

*Elielton também é conhecido como Nicolau e já tocou guitarra com as bandas Pig Malaquias, Norman Bates, Suzana Flag e Coletivo Radio Cipó. É produtor cultural e musical, ex-presidente da Pro Rock e edita os blogs www.qualquerbossa.blogspot.com e www.prorockblog.blogspot.com os sites www.guiart.com.br e www.paramusica.com.br. Siga ele no Twitter: @nicobates

Bibliografia

ARAÚJO, Anderson – Os Sociólogos de Aparelhagem -

25 de abril de 2011 no Site Belém do Pará

http://www.belemdopara.com.br/detalhe.bdop?conteudo=1414

PINTO, Lucio Flávio Pinto - Tecnobrega: Lixo em Forma de Música - Jornal Pessoal - Janeiro de 2009

http://troppos.org/2009/06/22/tecnobrega-lixo-em-forma-de-musica/

CUNHA, Vladimir - A Encruzilhada do Tecnobrega - Diário do Pará - 24 de abril de 2011

http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-131523-OPINIAO++A+ENCRUZILHADA+DO+TECNOBREGA.html

SANCHES, Pedro Alexandre - Musa do Tecnobrega, Gaby Amarantos festeja música do Norte. 17 de abril de 2011

http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/musica/musa+do+tecnobrega+gaby+amarantos+festeja+musica+do+norte/n1300080395820.html

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Musical Diversity From Amazonia


Há três anos, precisamente no dia 23 de abril de 2008, o jornal O Liberal estampou na capa do caderno Magazine a manchete "Músicos querem portal"
Foi uma notícia capturada durante uma reunião de classe para debater o Plano Estadual de Cultura.

A proposta era ter um portal que divulgasse e promovesse a inclusão da música paraense no novo e emergente mercado digital.O PEC ainda não foi adiante, mas nos já o fizemos assim mesmo.

Como nós todos, que atuamos e militamos na música e nas políticas públicas da cultura, sabemos, o mercado digital é um futuro que já chegou para todos.
A internet abriu mil possibilidades. Durante anos, porém, nos "batemos" com ela. O resultado positivo começa a aparecer: criaram-se redes, circuitos surgiram e se fortaleceram. Ainda distribuímos nossas músicas de graça e nós às vezes nos batemos individualmente ou dentro desses circuitos para promovê-las. Com tanta coisa com que se preocupar, além da própria feitura da música, pouco tempo nos sobra para a nossa arte. E ainda não sabemos como vai ser esse mercado nesse futuro que já começou. No momento em que existe CPI do Ecad e que grandes corporações começam a fechar acordos de certa forma limitando o compartilhamento de arquivos... acredito que o futuro é encarar o digital como um mercado onde distribuir a música exige uma estratégia bem clara. E é preciso pensar em consumo e fruição. Resgatar o valor da música e do músico.

Dessa forma, há mais de quatro anos nós estamos estudando, discutindo, às vezes brigando mesmo, para entender e pensar estrategicamente esse mercado. Valorizar nossa região... Dessa forma foi concebido o projeto Pará Música, um portal que tem por objetivo divulgar e promover a música do Pará para o Brasil e para o mundo. A ideia é agrupar e se juntar a todas as iniciativas que já existem de forma criativa para celebrar a nossa música, assim como celebramos a música carioca, a música do mangue, a música sulista, a música mineira... enfim, não querendo ser melhor do que o resto do Brasil, mas afirmando também a nossa qualidade e a nossa diversidade. Como a maior parte das nossas matas foi ao chão, o povo que aqui se assentou tratou de tornar esse calor mais aprazível. Que o Brasil se chegue, que os músicos brasileiros se cheguem...compartilhem conosco. Que os nossos colegas do Norte se cheguem, já estamos mais próximos. Estamos na Amazônia.

Gostaria de convidá-los a conhecer um pouco/muito dessa diversidade. Agradeço muito ao programa Conexão Vivo e ao Governo do Pará, que nos possibilitaram essa iniciativa, através da Lei Semear. Obrigado Kuru e toda a turma... Agradeço à Associação Comunitária Paraense de Rock - Pró Rock que me deu a oportunidade de coordenar esse projeto. Gláfira, Rui, Jayme, John, Flor, Azul, Mário, Joel, Vivian, Beatriz, Lucas, Raoni... (a lista é grande, enoooorme).

Agradeço, enfim, a toda a equipe que juntamos ao longo desses meses todos... todos. Sou honrado por trabalhar ou ter trabalhado ao lado de todos vocês. Felizmente nós vamos ter a oportunidade de nomear cada um deles ao longo dos meses através do nosso twitter e do nosso facebook... e na seção institucional do portal.

Agradeço ao Sebrae-PA pela oportunidade de, através do projeto Pará Pró Música, travar contato com as técnicas, competências e conhecer as pessoas que com suas vivências e experiências nos passaram conhecimentos, ideias, criticas... Tudo colaborou para isso, e espero que a nossa equipe tenha chegado à altura desse desafio. Se tiver bom, a culpa é nossa! Se tiver mais ou menos, a responsabilidade é toda minha. Mas muito disso depende dos nossos músicos, intérpretes e compositores, então, penso que estamos em boas mãos.

Obrigado à Libra Design, que trabalhou em cima do gênio das logomarcas e dos layouts incríveis do rock e da música. Nunca ninguém traduziu tão bem em imagens os conceitos e os desafios que nos impusemos desses anos. Obrigado John Bogea, o que é teu estará assegurado sempre.

Agradeço até a quem torceu contra, pois isso nunca nos deixou desmotivar. Ao contrário, só nos deu a certeza de que estávamos no caminho certo e que precisávamos corrigir rumos, repensar, reconsiderar... Muito obrigado a Ná Figueredo! Por tudo. Pessoa absolutamente admirável. Sensacional compartilhar isso com essa pessoa maravilhosa!

Enfim, desculpem a todos que não pude citar nominalmente... todos os colegas de música, parceiros de bandas, de fórum, família, filhas, colegas de rua etc. Eu perdi uma banda incrível no meio do caminho (vocês vão conhecer, se ainda não conhecem), perdi horas preciosas ao lado das minhas filhas, um delas recém chegada ao mundo. Mas valeu a pena. Sempre valerá, afinal a música me salvou. Obrigado Gil.

Espalhem a notícia, usem essa ferramenta, mandem releases, notícias, todos os seus contatos, endereços eletrônicos, rider e mapa de palco... telefone do empresário, produtor ou seu mesmo... Vamos anunciar bem cuidadosamente todas as ferramentas de que dispomos no portal em breve.

Por enquanto, eu vos peço apenas um pouco mais de... paciência e que acessem este hotsite: http://www.paramusica.com.br e veja o eflyer que segue em anexo!
Divulguem, repassem aos colegas, amigos...

Siga @paramusica no Twitter. Facebook: http://www.facebook.com/profile.php?id=100002518160959

E-mail: contato@paramusica.com.br

Em breve divulgaremos a data exata do lançamento em agosto.

Desculpem por tomar o precioso tempo de vocês, em breve teremos mais. O trabalho está só começando.

Atenciosamente,

Nicolau Amador

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Daime Soul: A alma musical da Amazônia


Uma brisa de praia invade as narinas com cheiro de mar e de mangue. Um ritmo caribenho embala as melodias de índio e de negro; a soul music, o reggae, o jazz e a música pop brasileira se confundem como numa festa à beira do mar do Marajó, sob a influência do Rio Amazonas e dos americanos de todo canto da América, trazendo em sua bagagem o mundo, que chegam para confraternizar. Assim é o estilo Amazon Words Music de “Daime Soul Vol. 01”, disco e projeto do instrumentista Magrus Borges e da cantora Adriana Cavalcante, que chega a público através do selo Na Music com patrocínio do Conexão Vivo.

Paraense de Belém, Adriana começou a tocar piano aos oito anos e a cantar aos 19. Até 2002 integrou Batom Carmim e Tempero da Tribo, bandas de charme e influências latinas. Depois, seguiu como atriz e fez carreira solo, excursionando e cantando pelo Brasil e pela América Latina, tendo morado na Argentina e no Caribe. Em 2009, foi “descoberta” pela americana Kristina Borges, mulher de Magrus, num bar em Belém do Pará. Kristina a apresentou ao marido e aí teve início o projeto Daime Soul.

Durante dois anos, Magrus e Adriana reuniram-se no estúdio dele em Belém para compor e gravar. Adriana trouxe as letras e as “encaixou” nas músicas e melodias de Magrus, que fez também a produção musical do projeto, tocando bateria, percussão e programando vários instrumentos. “Adriana trouxe alma para o projeto musical que eu queria realizar naquele momento. Nós ficávamos até seis da amanhã bebendo vinho e compondo”, explica Magrus.



Magrus começou sua vida musical em Belém na década de 1970, tocando na Casa da Juventude (Caju), onde formou o Sol do Meio Dia com os músicos paraense Odorico, Rafael Lima, Minni Paulo e Zé Macedo – uma banda que influenciou gerações em Belém. Sua vida mudou radicalmente quando Johny Alf, um dos bambas da Bossa Nova, chegou na cidade e o baterista dele ficou doente. “Alguém me recomendou para tocar bateria com ele e foi uma coisa mágica porque eu já queria sair e ganhar o mundo”, explica.

Aos 15 anos de idade, Antonio Guilherme Borges praticamente fugiu de casa para tocar bateria com Johny Alf. Morou em São Paulo e Rio de Janeiro e tocou também com Maria Bethania, Caetano Veloso, Elza Soares e Luiz Melodia, entre outros. Depois foi estudar música nos EUA, onde também tocou com Grace Jones, Shakira e Larry Coryell. Morou na Califórnia, Miami e Nova York, onde tocou com Jimmy Page, Arthur Lindsay e montou uma banda de rock, o Tall Stories. “Gravei e lancei discos com essa banda, mas não queria só tocar rock, queria tocar outras coisas, adoro jazz e blues."

Em Daime Soul, Magrus potencializou a musicalidade sensível de Adriana com uma produção sofisticada, que inclui ainda várias participações especiais, como do guitarrista Mark Lambert, do contrabaixista MG Calibre, Trio Manari, Daniel Delatuche e Fabrício Cavalcante. “O Magrus tem, pela experiência dele, a capacidade de fazer música com propriedade pop, sendo comercial sem perder a alma, sem deixa de ser de bom gosto e de qualidade”, comenta Adriana, acertando em cheio.

Daimista, Adriana diz que usou a influência de sua espiritualidade e da gente de todo mundo que chegou em Belém em 2009 para o Fórum Social Mundial no trabalho. “People, faixa que abre o disco é cantada em inglês, espanhol e português por causa disso. Traz essa influência do mundo, das minhas andanças”, afirma. A intenção "global" também é defendida por Magrus: "Nós fizemos esse disco para o mundo."



Na segunda faixa, “Amazônia Caribenha” fica mais evidente a influência da música latina no disco. “Canta pra subir” usa a percussão do Trio Manari para compor um canto afro em que Adriana “pede licença” para cantar. De audição fácil, depois de escutar esta canção duas vezes você vai querer ouvi-la muitas outras. Sempre com o viés da espiritualidade e das boas vibrações, “Belo Monte”, entre tantas outras influências, usa a levada tribal da Amazônia para incrementar um protesto sem rancor. É Magroove em ação, como a cantora Grace Jones apelidou o músico paraense.

“I can feel your Love” traz o ritmo e as boas vibrações do reggae, evidenciando a melhor influência de Bob Marley sobre o trabalho de Adriana. MG Calibre, faz as vezes de rap na canção. Em “Mundo dá volta”, uma das mais pegajosas, no bom sentido, a levada da capoeira é que é homenageada trazendo os ensinamentos dessa arte marcial afro brasileira, com uma justa referência a Gilberto Gil.

A cada faixa, as influências dos ritmos e cantos dos povos que ajudaram a formar a cultura amazônica, vão se misturando e se evidenciando para compor um canto de alcance global. A latinidade (em ritmo e linguagem) volta em “Santo Daime” para falar de expansão sensorial e espiritual com um toque psicodélico, mas ainda sem perder a veia pop.

Ainda que o jazz também venha se insinuando em outras faixas, é em “Rain on me”, que encerra o disco, que Magrus evidencia uma de suas maiores paixões. Fabrício Cavalcante, irmão de Adriana, toca guitarra e o arranjo, também de verve latina, ainda privilegia o bom gosto com os metais de Daniel Delatuche e Josibias Ribeiro. E quando o disco acaba, na oitava faixa, não resta outra coisa senão escutá-lo de novo.


Fotos: Na Figueredo
*Edição integral do texto publicado originalmente em O Liberal do dia 17 de maio de 2011

sábado, 30 de abril de 2011

Já princesa

“Tu já rainha” o show que Luê Soares apresentou ontem no SESC Boulevard traz um diálogo de gerações que marca talvez o momento anterior ao despertar da carreira da jovem cantora. Luê começou a cantar há pouquíssimo tempo, no entanto, já consta na programação do Terruá Pará, o projeto de maior visibilidade do Governo do Pará pelos próximos quatros anos. Luê merece. Quem a visse cantar ontem no SESC não diria que ela começou há poucos meses.

Bela, sensual, afinada e extremamente competente, ela tem na figura do pai, Júnior Soares, do Arraial do Pavulagem, mais do que um padrinho de carreira, um preceptor na música. Foi na fonte dele, não resta dúvida, que ela bebeu para tocar rabeca e entoar cantos de lamento e baladas do mais tradicional cancioneiro popular.

E não resta duvida, na presença de Júnior no palco da filha, que o carinho e o afeto transbordam nas canções e nos gestos manifestos públicos de um amor incondicionado. “Tu Já Rainha”, explica a cantora, não é porque ela “se acha” mas se trata de uma canção “profética”, segundo o pai, que ele fez quando ela ainda era um bebê.

Mas Luê já não é mais um bebê. Tem uma voz potente, um corpo que a deixa sem graça quando o vestido deixa mostrar mais do que deve, e desenvoltura pra dançar e descer do salto quando acha que o público merece. Enfim, Nayá (o segundo nome ficou de fora do nome artístico, provavelmente para privilegiar o sobrenome ilustre de família) tem potencial e talentos incomuns para a música tradicional popular e aponta a música pop.


A presença de Júnior no palco serve, como ele mesmo demonstra, para tolher um pouco, talvez para segurar um pouco mais o passarinho antes que ele voe tão alto. Não fosse assim e talvez o repertório não tivesse tantas baladas, tantas toadas, mesmo estilizadas. Não estou revelando nenhum segredo. “Ela tem todo potencial para voar”, diz Junior em uma de suas interferências do show.

O contraste de gerações ocorre logo em “Alumiará”, uma das baladas do pai em parceria com Ronaldo Silva que foi transformada em uma espécie de bossa nova. “Eu insisti na versão, ele não queria, mas no fim ele gostou”, diz. Junior torce o nariz como quem desaprova, mas ri e toca junto. Quando ela toca “Saara” com Arthur Espindola o gosto pelo mais moderno fica ainda mais evidente.

Mas a fonte em que Luê bebeu tem o seu charme, e marca o seu diferencial. Por isso o repertório ta recheado de toadas e canções que também trazem raízes populares como “Festividade” e “Capitulador”, todas pontuadas pela sua rabeca, todas de inspiração bragantina, terra fértil.

“Farois”, que encerra o show, traz um arranjo apimentado de música latina, e nessa hora fica a impressão de que poderia ter “esquentado” um pouco antes, a despeito do auditório muito confortável e bem refrigerado do SESC. O clima intimista teve até participação de Nilson Chaves na platéia, que opinou sobre uma ou outra versão.

Além de Luê cantar muito bem e do timbre privilegiado, ela teve acompanhamento de músicos competentes como Renato Torres (guitarra), Rubens Stanislaw (contrabaixo), Rafael Barros (percussão) e o próprio Júnior Soares no violão de naylon. A sombra que Junior projeta é grande, mas não ofusca.


Talvez, e eu vou me dar o direito à dúvida, se Luê cedesse tão rápido às influências mais modernas, corresse o risco de ter sua voz grave comparada a uma dessas cantoras da média MPB, essas que tem grande técnica e talento mas que foram corrompidas pelo mercado e que já não suportamos ouvir de tanto que se expuseram, inclusive através de seus clones. Dessas que eu prefiro nem citar o nome para não ofuscar o brilho dessa jóia em processo final de lapidação. Ainda bem que ela respeita os mais velhos e tem ainda um preceptor de responsa.

O pai,por sua vez, já mostrou, no Arraial do Pavulagem, que os ritmos tradicionais podem muito bem conviver com os elementos da música pop. Enfim, está muito bem instruída essa princesa. A lua diz amém.


Fotos: Bruno Cantuária

Set List - Tua Já Rainha


1 - Dunas da princesa
2 - Sei lá
3 - Alumiará
4 - Ave Manhã
5 - Nós dois
6 - Tu já rainha
7 - Capitulador
8 - Festividade
9 - Saara
10 - Tempo Invertido
11 - Campo do meio
12 - Delicadeza
13 - Sim
14 - Faróis