sábado, 28 de agosto de 2010

Outras visões, outras dimensões


Leonardo Salazar ontem no Sebrae. Ele fala e a rapaziada presta atenção (Agradecimentos a Assis Figueiredo pela foto).

Leonardo Salazar está com a agenda cheia até o final do ano. O Sebrae de Manaus (AM) tentou comprar a palestra e o curso "Música Ltda." mas não conseguiu. O projeto Pará Pro Música saiu na frente. Quando o livro dele chegou na sede do Sebrae-PA foi direto pra mesa do gerente de comércio e serviços, que juntamente com o comite gestor, analisou o trabalho e decidiu contratá-lo. Não a toa. Leonardo Salazar vendeu 20 livros na palestra de ontem no Sebrae. Pena Schmidt, ex-executivo da Warner Music que descobriu as principais bandas do rock brasileiro dos anos 80, comprou um e quando recebeu em casa ligou para Leonardo pedindo mais 10 exemplares para dar de presente para os amigos. "Isso para mim, foi a glória", disse Salazar.

A primeira tiragem do livro está acabando e logo será providenciada outra. Com apenas 30 anos de idade mas muita experiência no negocio da música, Leonardo conseguiu um feito incrível, tendo paciência e organização para mostrar o que a maioria dos produtores esconde. Seu livro é uma pérola, um achado para quem pretende empreender e levar a música a sério. "Eu escancarei um monte de coisas que os caras não revelam", disse ele.

Leonardo não se confrontou ontem com Pablo Capilé, apesar da ênfase que Pablo deu a essa expressão, usada aqui no blog e twittada por outras pessoas de Belém. Foi bem educado e cortês.

Pablo chegou falando alto e se justificando. Mas viu que ninguém queria briga. Confrontar ideias é bom no limite em que permanecem no nível das ideias e ninguém precisa coagir os outros. Na saída e na entrada, Leonardo disse apenas o seguinte: "Eu vim dar o meu recado. Quem tiver ouvidos para ouvir que ouça." Tive a oportunidade de conversar muito com Leonardo nas poucas horas que ele esteve em Belém e posso garantir que é o cara certo para implementar método ao projeto Pará Pro Musica.

Explico, o percussionista Paulinho Assunção frisou algo que Salazar falou em sua palestra: a dificuldade dos técnicos e executivos do Sebrae (não o de Belém mas os de qualquer Sebrae) tem de entender a linguagem e o modus operandi dos músicos. Paulinho disse que Salazar, pela experiência dele, pode conseguir ou quem sabe ajudar a implentar isso.

Do debate com Pablo Capilé, em que afirmei exatamente o que venho dito nos últimos tempos nas listas, que não há nada contra o Circuito Fora do Eixo. A rede é uma grande e incrível iniciativa, que ostenta números de que se deve orgulhar. Dito isso, o trabalho em rede, cooperado ou solidário, não deve ofuscar a necessidade que o músico (independente de qualquer coisa) de aprender e empreender individualmente.



Os estudiosos dizem que a cultura tem ao menos três dimensões: individual (antropológica?), a social e a econômica. Individualmente a arte é uma manifestação do espírito, logo, uma manifestação não pode ser igual a outra. Arte não serve pra comer, não ajuda a passar em concursos públicos, mas é a "futilidade que te traz felicidade", segundo Bob Menezes.

Sendo assim, é preciso saber empreender individualmente para que o trabalho em rede (social) possa ser melhor, fortalecendo a dimensão econômica da cultura. Política cultural, estrategicamente, só faz sentido, acredito, se massegar com cuidado essas três partes do todo.



Rock 24 horas

Do debate, também ficou uma lembrança quando falamos dos festivais de rock e música independente que formaram depois tanto o Circuito Fora do Eixo quanto a Abrafin. O festival mais antigo, o pernambucano Abril Pro Rock, onde Leonardo Salazar começou sua carreira, surgiu em 1993, ano em que o Rock 24 horas acabou.

O paraense Rock 24 horas, que entrou para o Guiness Book como o festival mais longo com atrações ininterruptas do mundo, surgiu em 1991 e cresceu muito em 1992. Seu ápice teria acontecido em 1993, ano em que o APR surgiu. Pena Schmidt, o mesmo que foi o primeiro presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), talvez a primeira tentativa de empreender e organizar a cena independente brasileira, esteve no 3o Rock 24 horas para lançar o Virna Lisi, uma banda mineira que era o carro chefe do seu primeiro selo indie depois de sair da Warner, o Tinitus.

Ou seja, Belém esteve nessa vanguarda, justamente pelo histórico do seu rock, que gerou, como todos sabem, a primeira banda de heavy metal da América Latina a gravar um album, o Stress, e teve seu momento de glória com bandas como Mosaico de Ravena, Alibi de Orfeu, Tribo, entre outras.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Notas de produção II

O desafio de transformar uma cena emergente em um mercado sólido passa pelo desafio de superar manifestações de individualismo egocentrico, sem dúvida. Infelizmente, este é um imperativo comum a todos os agentes da cadeia prrodutiva do cenário músical paraense. E, antes de digam que não é, isso pode ser, sim, uma auto-crítica. Mas pode ser também um desafio coletivo.
Aceitar a crítica é um problema para muitos. A não ser que ela seja feita apenas de elogios. Isso foi identificado há tempos não por mim mas por vários profissionais ligados à cadeia produtiva da música.
Um exemplo claro foi quando na mesa sobre jornalismo cultural da última edição do Conexão Vivo em Belém os jornalistas foram unânimes em dizer que preferiam não escrever críticas negativas em seus espaços. Por mais que um detalhe técnico pudesse ser observado, a via de regra é não escrever sobre quem não tem um trabalho que mereça um elogio. Mas Kuru Lima quando opinou nessa mesa disse que, às vezes, uma crítica bem posicionada pode contribuir para que ocorra uma transformação na carreira do artista. Pode ser verdade, mas a maioria não se arrisca. A crítica ser transformadora depende tanto de quem escreve quando de quem a recebe.
Uma banda de rock normalmente tem em si uma fonte gritante de conflitos e jogos de poder. Um exemplo de como outros profissionais (neste caso, produtores) lidam com a condição do artista na cadeia produtiva é o que transcrevo abaixo, extraído do livro "A Arte de Produzir Música", de Richard James Burguess.

  • "Às vezes, produção relaciona-se com meditação, moderação e proteção do processo democratico; em outras, é preciso permitir que você ou outra pessoa seja o ditador. 'Normalmente o que as pessoas estão praticando não é a democracia, mas a covardia e as boas maneiras", diz o produtor Brian Eno. "Ninguém quer pisar no calo de fulano-de-tal, e por isso ninguém quer dizer nada. O que vale na democracia é a idéia de que, se há cinco pessoas aqui e uma delas sente algo muito forte sobre alguma coisa, voce pode confiar que a força dos sentimentos dessa pessoa indica que existe de fato algo por trás disso. Acho que um bom relacionamento democrático tem a ver com a idéia de que trata-se de uma liderança em constante alteração. Não de trata de 'todos lideramos juntos ao mesmo tempo', mas que 'todos confiamos o suficiente uns nos outros para crer que, se alguém sente algo forte, nós o deixamos liderar por aquele periodo de tempo'. E é o que normalmente acontece. Alguém dirá: 'Não, eu realmente acho que deveríamos fazer isto dessa maneira'. E eu direi: 'Oh, vamos tentar, vamos ver o que acontece.'" (BURGUESS, Richard James. A Arte de produzir Música. Trad. Marcelo Oliveira e Grace Perpetuo. Rio de Janeiro. Gryphus, 2002.)

Um artista imaturo não teria uma reflexão crítica como essa sobre a participação democrática do processo de criação ou de gravação de um disco, que é ao que se refere o trecho. Como se pode ver, o trabalho de um produtor musical assim como o trabalho de um jornalista ou crítico musical são diferentes. Podem ser exercidos pela mesma pessoas em momentos diferentes. Carlos Eduardo Miranda, Nelson Mota e outros produtores brasileiros foram jornalistas e produtores em momentos diferentes. Talvez eles tenham a capacidade de entender o que o artista, ocupado no fazer no produzir, não consegue perceber.
Um mercado precisa ter agentes, produtores, jornalistas, técnicos etc. Pessoas e profisisonais diferentes com qualificações diferentes. Na transformação de uma cena em mercado, no entanto, através da ação de agentes públicos interagindo com a comunidade que agrega os profissionais dessa cadeia produtiva (a setorial), é preciso ter o entendimento do papel de cada agente profissional e social desse processo. Algo que exige uma compreensão complexa de fatores que determinam uma economia que não está sujeita apenas aos principios elementares do capitalismo economico (oferta, demanda, preço etc).
A economia da cultura exige qualificação específica.
A tentativa de afirmar uma cadeia produtiva deve estimular a produção jornalística crítica, deve estimular a qualificação do produto musical: dos fonogramas e dos shows. Senão, os elogios generosos que deveriam servir ao empenho e aprimoramento do artista servirão ao contrário, a acomodação dele.
Mas isso é apenas uma nota. Há outras questões a serem consideradas.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Música Para Empreendedores



Leonardo Salazar é autor do livro “Música Ltda: o negócio da música para empreendedores”. Graduado em Comunicação Social/Jornalismo e pós-graduado em Gestão de Negócios, ele trabalha com o negócio da música desde dezembro de 2001. Durante sua caminhada já participou de mais de 200 eventos musicais, em 68 casas de show e 35 festivais, passando por 34 cidades de 5 países e 2 continentes.

Foi assessor de imprensa, assistente de produção, empresário/agente/produtor de artistas, promotor de shows, tour manager no Brasil e em alguns países da Europa, produtor fonográfico e sócio-administrador da própria microempresa de produção musical. Foi professor das disciplinas “Empreendedorismo” e “Elaboração de projetos culturais” do curso de Produção Fonográfica da faculdade AESO. Também foi palestrante da Feira Música Brasil 2009. Atualmente ministra cursos, oficinas e palestras em todo o Brasil.

Na próxima sexta-feira ele estará em Belém para uma palestra, trazido pelo projeto Pará Pró Música, parceria do SEBRAE-PA com o Fórum Paraense de Música Independente (FPMI). A palestra será compartilhada com uma mesa dentro do Congresso Fora do Eixo Norte que é sediado em Belém e organizado pelo coletivo Megafônica. Nessa mesa Leonardo vai confrontar suas ideias com o "papa" do Fora do Eixo, uma rede onde se pratica apenas parcialmente o comércio formal, susbstituindo a força de trabalho dos músicos por créditos, aquilo que Pablo Capilé chamou de Cubo Card.

Em entrevista exclusiva por email ele comenta o tino para negócios do músico independente brasileiro, que considera “um completo desastre” e comenta recentes declarações do cantor e compositor Lobão.

Uma matéria muito elucidativa para quem estuda o negócio da música e o confronta com as políticas públicas atuais para o setor. Não se trata de pregar o neoliberalismo no setor mas de saber que uma economia (mesmo a da cultura) precisa atender a princípios básicos de mercado para evoluir.


Nicolau: Como surgiu a ideia de fazer o livro Música Ltda?

A ideia surgiu no curso de especialização, precisava escrever um trabalho de conclusão de curso, então constatei a inexistência de bibliografia referente ao negócio da música em língua portuguesa. Daí, resolvi juntar minha experiência na produção musical com as competências gerenciais adquiridas no curso de gestão de negócios. Então, escrevi o Música Ltda., inserindo um modelo de microempresa para uma banda.


Como você avalia de modo geral a consciência do músico brasileiro para os negócios?

Em geral, o músico não presta atenção à parte gerencial, sua atenção está focada na parte artística. Isso é normal. Quando a carreira começa a decolar, o faturamento cresce, começam a aparecer problemas e exigências, como, por exemplo, passar nota fiscal, assinar contratos etc. Então, passa a exigir que o músico, além de compor e tocar, passe também a tocar o negócio, a administrar assuntos complexos. Isso é uma realidade.


Produção, circulação, consumo...o que você considera mais importante para o fomento de políticas públicas setoriais nessa área?

As políticas públicas, a meu ver, devem ter dois eixos: produção e consumo. Fomentar a produção cultural é incentivar, não apenas dando dinheiro, mas dando condições de sobrevivência, para que exista empreendedorismo e sustentabilidade, senão o artista fica dependente do Estado, isso é ruim para todo mundo. Fomentar o consumo é incentivar hábitos, práticas culturais, educar o público. A escola é fundamental nesse processo. Crianças adquirem hábitos que levam para a vida adulta, então, é importante a volta do ensino de música nas escolas para dar essa educação artística às crianças que no futuro estarão consumindo música, qualquer que seja o formato.


Qual o papel do Estado no fomento da música?

O primeiro papel do Estado é não atrapalhar a produção musical. Se fizer isso já está ajudando muito. Depois é incentivar o empreendedorismo dos artistas e a educação artística da população.


Como você avalia, do ponto de vista dos negócios, o circuito da música independente brasileira atualmente?

O circuito cresceu muito nos últimos anos. A quantidade de festivais e de prêmios mostra essa realidade. Falando do ponto de vista do mundo dos negócios, o circuito independente é um completo desastre. Quase todo mundo é informal, não há sustentabilidade, ninguém consegue fazer uma poupança, poucos ganham dinheiro, mal dá para pagar as contas, a estrutura de trabalho em geral é precária. O que deve haver, a partir de agora, é uma preocupação com a qualidade do trabalho e a remuneração dos trabalhadores desse setor.

Recentemente o cantor Lobão deu declarações dizendo que "a internet não vai salvar ninguém" e dizendo que o músico tem que ter uma gravadora para pagar jabá enquanto o jabá existir, senão não tem jogo (a não ser de "segunda divisão"). O que você acha dessa declaração?

Acho que o esquema das gravadoras funciona no Brasil, sim. Nisso eu concordo com ele. Mas não acho que o artista deva necessariamente ter uma gravadora e pagar jabá. Existem exemplos de artistas bem sucedidos fora desse esquema. A internet atualmente faz o papel que as rádios faziam no passado, isto é, divulgam o repertório, as músicas, mas não gera receita para o músico, não gera faturamento. O músico acha que basta colocar a música na internet e tudo o mais acontecerá. Isso é apenas o primeiro passo. Tem que empreender, realizar shows, fazer propaganda, assessoria de imprensa, colocar o disco para circular nas mãos dos produtores, participar de feiras, capacitações, cursos etc.

Ainda sobre o Lobão. Como você avalia do ponto de vista dos negócios as duas grandes guinadas que ele deu na carreira dele, brigando com a gravadora, indo ao circuito independente e depois voltando às majors e contrariando alguns dos argumentos que ele defendia antes?

Acho normal. Revolução na juventude e conforto na maturidade.

Você acredita em "cena"? Há lugares onde a música tem mais potencial do que em outros?

Eu acredito em cena. Aqui em Pernambuco teve o Manguebeat, há 15 anos, e ajudou a promover vários músicos no Brasil e no mundo, e ainda ajuda porque virou um selo de qualidade. Banda de Pernambuco é banda boa. O desafio é transformar a cena em mercado, onde todos possam ganhar, isso só é possível com a profissionalização de toda a cadeia produtiva, com a formalização de empresas.

Saiba mais sobre o livro Música Ltda. AQUI.

domingo, 22 de agosto de 2010

Ao público o que ele quer

Ou o dia em que perdi uma entrevista exclusiva com Vitor Ramil.

“Se eu aprendi algo ao longo dos anos foi dar ao público o que ele quer, senão ele nunca mais vai querer nada de você.” Uma associação de pensamentos me fez lembrar a fala de Bad Blake, personagem de Jeff Bridges no recente filme de Scott Cooper “Crazy Heart”, quando Vitor Ramil tocou “Estrela, Estrela” e “Joquim”, seus maiores sucessos de carreira, no bis do show que fez na última sexta-feira ao lado de Marcos Suzano em Belém.

A não ser pela tendência um tanto folk de seu estilo, marcado pelo violão Martin e pela influência de Bob Dylan, Vitor não se parece muito com Bad Blake. Apesar da sua fala benevolente, o personagem de Bridges trai a confiança de seus fãs. Depois de dizer que vai dar ao público o que ele quer e oferecer sua música mais famosa ao casal na primeira fila, sai do palco e deixa o músico acompanhante cantar e tocar 99,9% da canção, enquanto ele vomita nos fundos do clube de boliche.

Ao contrário de Blake, Vitor é um exemplo de cuidado e respeito a seus fãs. Uma relação de cumplicidade pouco usual em qualquer relação hoje em dia.

Antes do show, no camarim, a dois metros do próprio Vitor, fui anunciado ao produtor dele como um jornalista querendo uma entrevista. Fui tratado com cuidado como o próprio Vitor o fez em todas as vezes que o entrevistei há anos. O produtor me perguntou apenas quanto tempo eu precisaria. Como disse que gostaria de falar sobre o disco novo ele foi consultar o cantor enquanto aguardei pacientemente no corredor dos bastidores do Teatro Margarida Schivasappa.

Vitor pediu que a entrevista acontecesse após o show. Para que ele não falasse demais antes da apresentação, momento em que aquece a voz, e para respeitar Suzano, já que o repertório de Satolep Sambatown não inclui músicas do recente Délibáb.

Ver/ouvir Vitor e Suzano perfeitos em cada nota durante o show comprova que a justificativa é nada mais do que coerente.

Exatamente às 21 horas, como anunciado na imprensa e nos cartazes, Pedrinho Cavalléro fez a abertura do show acompanhado do percussionista Bruno Menezes. Com um set correto e competente, Cavallero arrancou aplausos carinhosos a cada música. Tecnicamente perfeito nas composições e na execução.

Mas o que o público paraense queria mesmo era ver pela primeira vez, depois do lançamento de Satolep Sambatown, Vitor e Marcos Suzano em ação ao vivo. (Os dois tocaram juntos em Belém antes da gravação do disco quando ainda estavam experimentando as novas sonoridades, antes de 2007.)

E, de casa cheia, a dupla não decepcionou os fãs.

Coerente e sem fazer concessões artísticas Vitor e Marcos Suzano desfilaram por canções do disco que gravaram juntos em 2007, além de canções de Tambong (2000) e Longes (2004), incluindo ai regravações de outros discos. Além de “Grama Verde”, “A Ilusão da Casa” e “Não é Céu”, nenhuma outra das 16 canções executadas antes do bis poderia estar presente em uma lista das “mais pedidas” do repertório do cantor.

Mesmo não sendo canções tão conhecidas, um dos presentes no público gritou, quando Vitor perguntou qual era a próxima música: “Neve de Papel!”. E Vitor respondeu em meio em tom de brincadeira: “Como você sabe? Nem a gente sabe o roteiro direito.” Parecia combinado, como um espetáculo de mágica onde o voluntário é na verdade parte do show. Vitor tocou “Neve de Papel” e não era exatamente um pedido atendido.

Pude ver algumas fãs cantando como se estivessem dublando às avessas o cantor, repetindo os versos com movimentos labiais, sem emitir som. Certamente para não atrapalhar a própria execução de Ramil. Quando alguém tentou puxar palmas, elas duraram pouco e tentaram se enquadrar aos compassos sincopados de Suzano. Na verdade, a relação de Vitor com seu público paraense é de cumplicidade.


Menos assediado, mas nem tanto, Suzano teve tempo de posar pra um foto comigo (Charles Alcantara)

Apenas no bis, Vitor tocou Estrela, Estrela e Joquim. No entanto ele ficou devendo “Loucos de Cara”. No camarim, depois do show, onde ele atendeu pacientemente cada fã que o foi cumprimentar, ele justificou: “essa música só é conhecida em Belém.”

Parte do repertório de Tango, seu segundo disco lançado originalmente em 1987, “Loucos de Cara” tocou muito Rádio Cultura FM. E ajudou a tornar o público de Belém um público especial. Comprova a entrevista que fiz com Wellingta Macedo, publicitária e atriz de 30 anos, depois do show:

“Eu lembro até hoje a primeira vez que ouvi o Vitor. Foi dez anos atrás e eu estava sentada na escada da minha casa escutando a Rádio Cultura FM quando tocou Loucos de Cara. Eu nunca havia escutado essa música, mas ouvi com atenção até o fim e depois fiquei esperando a locutora dizer quem era o autor. Assim que ela disse, eu fui para a internet pesquisar e descobri que ele era irmão de Kleiton e Kledir e que tinha um disco maravilhoso chamado A Paixão de V segundo ele mesmo...”

Antes de correr pro camarim, Wellingta, que já tinha dito o suficiente para mim, fez questão de frisar:

“Vitor é um grande artista, que respeita seu público e consegue sobreviver se sua arte sem se vender para a grande industria. Essa industria que consegue destruir com a verdadeira arte. Vitor deveria ser exemplo para outros artistas pelo respeito e carinho que tem pelo seu público e por fazer seu trabalho sem concessões artísticas.”

Eu segui pro camarim atrás da minha exclusiva e como todos os fãs peguei um autógrafo em Délibáb, o único disco que ainda não escutei. Com alguma ajuda, Vitor diz que me reconhece depois de anos e pergunta se eu ainda estava na imprensa. Parece que vou ter uma exclusiva mas já nem sei mais o que perguntar. Mesmo assim espero todos os fãs serem atendidos enquanto converso com amigos da produção do show.

Quando chegava perto das quatro últimas pessoas vi algo que raro em backstages de artistas “famosos”: o produtor do artista se justificando ao produtor local porque ele corria o risco de perder o vôo: “o que você quer que eu faça?! Ele só vai sair daqui depois de atender ao último fã. Eu não posso puxá-lo e sair levando ele para a van.”
Normalmente, os artistas usam a pressão da produção como desculpa para se livrar mais cedo do assédio dos fãs.

Quem levou a pior foi a minha entrevista exclusiva. Antes de ir embora Vitor teve de ouvir a minha queixa: vais ficar me devendo uma entrevista. “Sim, acho que vou, mas anota o meu email que a gente faz depois.”


Set List - Satolep Sambatown - Belém - 20 de agosto de 2010

1 – Livro Aberto
2 – Invento
3 – Viajei
5 – Livros no Quintal
6 - Zero Por Hora
7 – 12 segundos de Obscuridad
8 – Que horas não são
9 – Foi no mês que vem
10 – Astronauta Lírico
11 – O copo e a tempestade
12 – A ilusão da casa
13 – Neve de Papel
14 - Café da Manhã
15 – Não é Céu
16 – Grama Verde

BIS
17 – Estrela, Estrela
18 – Joquim

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

De mente aberta para a música

"Acho que só não gosto de brega, funk e doom metal". Foto de Felipe Accioli no show Brasilidade


Nanna Reis fez 19 anos em maio, mas desde os 17 já canta em festivais pelo país. Filha do compositor Alfredo Reis e irmã de Luma, ela canta desde os oito anos de idade, quando entrou para o conservatório Carlos Gomes. Estudou flauta transversal, flauta doce e fez cinco anos de canto popular e técnica vocal. Atualmente se dedica aos estudos de canto lírico e ao curso de licenciatura em música na Universidade Federal do Pará. Cantou em shows de muitos artistas, antes de participar do projeto de Renato Gusmão, “Da pátria”, em 2008, o que a fez decidir-se de vez a encarar a carreira artística. Sua mais recente conquista foi ganhar o prêmio do Festival RBA de Música, de Edgar Augusto, com a música “Iluminada”, de Tynnoco Costa, concorrendo inclusive com uma música do pai Alfredo Reis. Quando a ouvi cantar pela primeira vez ao lado de outras cantoras no show em homenagem a Billy Blanco, fiquei impressionado. Mais impressionado ainda quando ela me disse que acabara de completar 18 anos. Ontem, antes de gravar uma participação no aniversário do programa Invasão, da TV Cultura, com Pro Efx e Simba Amlak, ela concedeu com exclusividade ao Qualquer Bossa a seguinte entrevista.

Nicolau: Você pensou em fazer em outra coisa na vida além de música?
Nanna: Pensei em fazer Letras e Administração. Mas mudei de idéia porque não ia adiantar fazer Administração e ser uma profissional frustrada. Quero ser uma profissional feliz e realizada. Eu já fazia musica, sempre fiz isso e não tinha porque não seguir a carreira de musicista. Acho que fiz a opção certa.


Você gosta de ragga?
Acho que só não gosto de brega e funk, e talvez de doom metal, que é aquele estilo de heavy metal meio depressivo. Mas gosto de algumas bandas de metal que tem cantores líricos e tal. Mas meu lance é mesmo é MPB. Mas misturar é tão legal. Gosto de muita coisa mas no momento o erudito está totalmente presente na minha vida agora.

O que você está fazendo agora?
Estou nesse projeto com o Pro Exf. Ele me mandou umas três bases e eu gostei de uma, em que pus uma letra. Como ficou legal a idéia é fazer um EP com cinco músicas e lançar pelo selo Na Music. Também vou começar a tocar com uma banda de reggae a partir de setembro chamada Mahara. No mais, eu me viro, estou no curso de licenciatura e fazendo gig por ai. Dando aulas de canto. Ano que vem se for aprovado em algum edital e for captado rola o primeiro CD.

Registro de Bruno Pellerim no show Brasilidade

Do que falam as tuas letras?
Eu gosto de coisas viscerais. Eu gosto de brincar de compor. Na UFPA a gente fez isso, brincar de compor. Com o Pro Efx rolou de desenvolver um tema que era o “compromisso” então pensei no caso da garota que assume um compromisso. Musicalmente, para fazer isso hoje, eu me alimento de muita música latina e música africana. É bom não se bitolar em música tem tanta coisa para se fazer e conhecer. E eu tenho sede de fazer coisas diferentes e conhecer coisas novas. Música te dá tantas possibilidades de ritmos, de cultura que dá pra agregar isso à tua própria cultura. O importante é não se bitolar e somar isso na tua vivência. A música que você faz é sempre o reflexo da tua vivência.

Como foi se decidir pela carreira artística?
Depois do show “Brasilidade”, que eu fiz em maio deste ano, eu pensei “e agora, como vai ser?” Achei que já tinha maturidade psicológica e técnica para me jogar nisso. Depois de ter aprendido de forma ostensiva e na marra de cantar nos shows, achei que era a hora. Nunca havia saído de Belém e viajei pela primeira para um festival aos 17 anos. Isso abriu a minha mente. Depois veio o projeto com o Renato Gusmão, que foi o primeiro cara que me deu moral mesmo para poder cantar e eu sempre lembro dele por isso. Sempre que ele me chamar vou cantar no Da Pátria.

E como tu pensas profissionalmente a tua carreira?
Estou com uma produção agora. O primeiro passo é me afirmar aqui em Belém mesmo, enquanto eu me formo. Nesse período eu vou pesquisando e desenvolvendo a minha música. Meu ideal é ter uma produção e não deixar de dar aula porque assim acredito que posso passar alguma coisa para as pessoas e deixar isso também somar na minha vivência de cantora. Trocar essas experiências com as pessoas.

Comentários

As caixas de comentários começam a despertar interesse dos leitores do blog. Visitem os posts para saber as opiniões sobre o que se diz aqui e sobre o que pensam as pessoas que tem coragem de se identificar e aquelas que apesar de criticar não tem coragem de mostrar a cara. Democracia é conflito, e como diria Chico Sciense é preciso "Organizar para desorganizar".

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Bom conteúdo na TV?!


O programa Invasão da TV Cultura está comemorando um ano no ar. O programa especial de aniversário vai ser hoje gravado no espaço cultural da loja Ná Figueredo, as 18h, com a participação da banda Álibi de Orfeu, Jayme Catarro e DJ Pro Efx, entre outros convidados especiais. Vale conferir. Parabéns ao diretor Robson Fonseca e a toda a equipe do programa. E não se esqueça de visitar o Blog do Invasão.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Reflexões Musicais I

Como desenrolar essa fita cassete?

Ontem foi um dia corrido e me trouxe a oportunidade de refletir sobre algumas coisas. Antes de me reunir com a diretoria da Pro Rock e com a coordenadoria do Movimento Bafafá do Pará, troquei uma idéia com um influente artista paraense ao MSN. Talvez uma das poucas unanimidades críticas da música paraense, ele me cobrou estratégias e propostas para a veiculação da música paraense. “Artista tem é que aparecer”, disse em tom enfático.

Segundo meu amigo artista, na atual circunstância da música popular paraense o que falta são espaços de exibição, seja nas rádios ou na TV. Ele defende vários canais de televisão que veiculem 24 horas por dia a produção cultural paraense.

Como outros artistas é um entusiasta da gestão de Ney Messias frente à Funtelpa. A evidência em que Ney colocou o artista paraense durante sua gestão é algo marcante na trajetória da música local. No entanto, essa visibilidade não extrapolava os limites da Região Metropolitana de Belém porque naquela época faltavam transmissores nos municípios distantes.

Mas meu amigo tem razão quando diz que é preciso ter canais de veiculação da produção artística local. Sem isso não há cadeia que se sustente. A Pro Rock tem um projeto aprovado pelo Conexão Vivo que é um Portal, uma espécie de revista virtual com ênfase na produção musical paraense. Um portal aberto a todas as linguagens estilísticas, um espaço para o exercício critico e público da produção local, que perde cada vez mais espaços nos jornais impressos, nas rádios e nas TVs.

Mas, além disso, tenho defendido no Fórum Nacional de Música que um projeto para o fortalecimento da música brasileira deve passar pela democratização dos meios de comunicação. Não estou falando da Internet apenas. Quem acompanha as polêmicas e discussões da música independente recentemente deve ter lido Lobão dizer que a internet não vai salvar ninguém e que tudo continua como está.

A democratização dos media quer dizer a ocupação das rádios públicas e comerciais - que também são concessões públicas. A democratização dos media quer dizer a ocupação das televisões públicas e comerciais. Mas não é só isso.

Para um artista viver dignamente tem que ter a disposição todos os meios de geração de renda, que segundo Leonardo Salazar, autor do livro “Música Ltda - O negócio da Música para Empreendedores”, são basicamente três, dos quais derivam todos os outros, a saber:

1 - Shows
2 - Produção fonográfica (discos, arquivos digitais etc)
3 - Direitos Autorais

Quando a banda Álibi de Orfeu tocou por cerca de seis segundos no Esporte Espetacular, da Rede Globo de Televisão, o Ecad repassou a banda mais de R$ 1 mil por integrante. Muito mais do que muitos cachês que oferecem por ai. Isso porque a arrecadação se dá em cima da audiência, e a audiência da Globo como todos sabem é muito grande.

Imagine se houvesse uma lei que obrigasse a cotar a música local em rádios e televisões públicas e/ou comerciais. Afinal as cotas foram razoavelmente aceitas em proposições muito mais polêmicas. Mesmo num rodízio longo muitos artistas teriam a oportunidade de se capitalizar.

Menos o meu amigo artista influente. Porque até onde eu sei, ele ainda não se associou a nenhuma arrecadadora (deve estar fazendo isso agora). Você pode ser contra o Ecad e questionar a legislação e tudo o mais, mas como profissional não pode perder a oportunidade de ser remunerado pelo seu trabalho. Enquanto a legislação do direito autoral não muda, é direito do autor (e esperamos que permaneça assim mesmo com as alterações necessárias na lei, pois este é um direito constitucional).

Imagine quanto dinheiro meu amigo dá para o Roberto Carlos! Roberto Carlos?! Sim, eu explico: O Ecad retém direitos autorais por obras, mesmo que elas não sejam de autor regularizado ou filiado a uma arrecadadora. O autor tem até cinco anos para recolher seu direito autoral uma vez que sua obra foi executada e seu direito autoral recolhido.

Já teve arrecadadora que ligou atrás do Suzana Flag para se oferecer para recolher direitos autorais retidos. Sabe o que acontece com os direitos autorais do Suzana Flag depois de cinco anos?! Eles são somados e divididos entre os maiores arrecadadores de cada associação ou do Ecad. Ou seja, o Roberto Carlos recebe os Direitos Autorais do Suzana Flag e de mais um milhar de bandas indies que circulam por ai sem registro tocando em bares, festivais e aparecendo em televisões.

Essas e outras circunstâncias ocorrem porque os artistas paraenses são jovens e ingênuos ou pouco informados. Ou estão em uma situação tal que pouco podem fazer para otimizar os rendimentos de seu trabalho.

Depois de falar com meu amigo artista e antes de me reunir com a diretoria da Pro Rock encontrei com Robson Fonseca, diretor do programa Invasão, da TV Cultura do Pará, que presta consultoria para a Pro Rock na montagem de uma ilha de edição e numa oficina de vídeo que será dada em breve.

Robson, que já produziu excelentes videoclipes paraenses como o da banda Deliquentes (Vagamundo) e Sincera (Admitir) disse que apesar da disposição de veicular a produção local, não há ainda produção e qualidade em quantidades suficientes para veicular tudo.

Além das TVs publicas e universitárias há espaço para ocupar outras frentes de veiculação de massas. TVs a cabo, por exemplo, são obrigadas por lei a abrir espaços comunitários em sua programação. Minha proposta frente ao programa Radiossonico, esbarrou na falta de qualificação de profissionais de comunicação, que não eram os profissionais da radio, mas os produtores do programa.

Falta mão de obra especializada. Meu amigo ainda é reticente e não quer falar de negócios, quer falar de arte. Mas ocupar espaços de mídia exige isso, além de muitas outras coisas. No entanto, meu amigo, sua sugestão está anotada e deve ser pensada com carinho por quem milita na cultura seja que partido for.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

On The Road com Os Astros do Seculo

Cordeiro, em foto de Ana Flor, no palco Bafafá Pro Rock no Festival Se Rasgum, em 2008, tocando com o Clepsidra

Segunda parte

21h. Estou no quarto do hotel em Castanhal com os “Astros do Século”. Nele, estão os “astros” Mauricio Panzera e Arthur Kunz, dupla de músicos que além de tocar com o Clepsidra acompanha muita gente boa e jovem na nova música popular paraense, ao lado de Renato Torres. Ao invés de tietes e drogas, o quarto é ocupado pelas namoradas dos dois, que vieram junto com a banda, e pelo som da televisão. Vira e mexe alguém oferece um biscoito. Tudo muito tranquilo e comportado.

Kunz, aos 25 anos, é o mais jovem. Sempre ligado em música, fala sobre o Jonas Brothers quando eles aparecem na TV, e conta que bateu o carro uma vez, quando ia ao show do Clepsidra, tentando descobrir o compasso de uma música que tocava no cd player do carro. “Era uma música muito complicada, num compasso 9 por alguma coisa que eu não conseguia descobrir. Quando vi, já tava dentro do outro carro. Passei o resto dia comprando peça pro carro. Cheguei no show tenso.”

Mostro para Kunz um vídeo dele tocando na mostra musical Bafafá Pro Música do ano passado. Ele se surpreende quando vê o público aplaudindo depois da música. “Eu tava nervoso que nem prestei atenção que a galera tava curtindo. Enfim, essa foi a minha primeira apresentação desse trabalho solo”, diz o baterista que também é arranjador e compositor.

Deitado, Panzera fala pouco. Mais tarde ele seria apresentando por Felipe, no palco, como “o sábio”. A sapiência de Panzera parece estar no produto de grande abstração e reflexão. Uma cara calmo de papo manso desde que eu o conheço há alguns anos. Quando fala diz que Felipe está cantando melhor. “Ele ta pegando cancha. Há dois meses não cantava tudo isso. Está mais seguro.”

Vira e mexe, Felipe aparece no quarto. Traz o violão para trocar as cordas e os três comentam as músicas. Algo que saiu errado na noite anterior começa a ser corrigido no quarto mesmo, com conversas e breves análises de passagens das músicas. Coisa de músicos que trabalham muito e tem pouco tempo para muitos e detalhistas ensaios.

(Em outro quarto, Leo Chermont e Junhão trabalham em sua workstation móvel gravando levadas para um disco que dizem ser composto apenas em quartos de hotel, um dos vários projetos do coletivo Floresta Sonora, ao qual pertencem.)

Algo quase tão importante para eles quanto a música é o visual do show. O jogo de poder e egos, que existe em qualquer banda de rock ou pop, se mostra acirrado no pouco momento em que os “Astros” se reúnem, porém é mais uma brincadeira e um modo de aliviar as tensões pré-show. Mais cedo, na van, Kunz e Leo Chermont trocaram piadas breves sobre quem iria roubar a cena. “Hoje eu vou roubar a cena tocando bateria”, disse Kunz para Léo.

Kunz quer tocar com a máscara do demônio que ele trouxe para compor seu visual kitsch no show. Mas o fone de ouvido que solta os clique do metrônomo não permite. “Eu to pensando em tocar sem clique, é que eu uso apenas no começo de algumas músicas para ter a noção do andamento. Mas acho que talvez possamos fazer um show mais solto hoje mais descontraído.”

O telefone toca. É Leo Chermont convidando Kunz para participar do disco de quarto de hotel. “Não obrigado. Tô aqui com minha namorada e meus amigos Panzera e Nicolau, não vou aí, não”. Kunz desliga e diz com um tom que não deixa ter certeza de que ele está brincando ou falando sério: “Esse Léo é maluco. Diz que tá fazendo uma música chamada quarto 38. Mas ele está no quarto 13. Não tem o que fazer.”


21h25. Adelaide e Luiza que estavam dormindo no quarto, ligam para avisar Felipe que estão se arrumando. Hora de pegar a van para o show. O hotel Durma Bem fica a poucos quilômetros da Praça da Estrela, mas já estamos saindo meio atrasados.

Kunz, em mais um registro de Ana Flor, apresentando seu projeto solo no Bafafá Pro Música em dezembro de 2009.

21h56. O motorista bate a chave no contato da van mas ela não pega. É a bateria. Felipe mostra preocupação e sugere que todos peguem um táxi para ir ao show. Chermont diz que se é bateria basta empurrar a van que ela pega. E todos descem para empurrá-la, menos as meninas, é claro. A brincadeira sobre os astros do século que empurram a van é inevitável. “Essa vai ter que ir para a matéria.” E o pior: depois de três tentativas constatamos que o motorista não sabe fazer a van pegar no tranco. Digo que é melhor o Léo tentar, e sem cerimônia ele manda o “motora” descer da van. Léo vai e faz a van pegar na primeira tentativa.

“Taí, Kunz, quem roubou a cena agora foi o Léo, que fez a van pegar no tranco”, brinco com o baterista. Seguimos para o show.


Passa um pouco das 22h e Felipe Cordeiro e os Astros do Século estão no palco. Kunz está com a máscara do demônio, sem clique de metrônomo e mais desenvolto. De chapéu e violão entre os ombros, Felipe se posiciona entre as meninas, que usam maquiagem forte e rouba exuberante.

O palco grande se impõe. Felipe solta a voz com desenvoltura ainda incipiente, mas a banda e as meninas são quase perfeitos. O que não está perfeito passa despercebido pelo grande público dada a emoção e a comoção que provocam. Circulo pelo público e posso ver rostos de espanto e admiração com o espetáculo. Ao final de cada música há olhares admirados e palmas entusiasmadas. Mas o público ainda não sabe cantar as músicas. Olhos e ouvidos concentrados.

Quando Cordeiro chama a cantora Iva Rothe ao palco para cantar “Trelelê”, mostra seu forte nas composições. Os Astros do Século ainda são uma banda em formação e Felipe, com dois anos de carreira profissional, se mostra muito acima da média de qualquer performer em estágio de formação. Mas eles já entram com pelo menos 60% do jogo ganho, pela qualidade das canções, pela proposta bacana, pela banda de primeira e pelas vocalistas performáticas, que sempre roubam a cena, a despeito da disputa entre Kunz e Léo.

Um grupo musical de sucesso reúne essas qualidades todas e mais algumas. Mas a média não consegue reunir nem metade em quantidade e qualidade dessas virtudes. Felipe tem uma posição privilegiada e parece saber disso. As 2h da manhã de domingo, ele desce da van no conjunto Império Amazônico, onde mora em Belém, nem deslumbrado nem cansado demais, de bom humor e cônscio de que o trabalho continua no dia seguinte. Como ele mesmo diz essa geração ainda está em formação.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Na estrada com Felipe Cordeiro e os Astros do Século

Primeira Parte

Sábado, 8 de agosto de 2010. Passam poucos minutos das 14 horas e estou na van com Felipe Cordeiro e Os Astros do Século indo em direção a Castanhal, onde logo mais eles se apresentam em mais uma edição do Conexão Vivo. A viagem de pouco mais de 40 minutos tem o tempo suficiente para descobrir quem é o jovem artista que se destaca entre a nova geração da música popular paraense. Geração que nasceu influenciada por outras gerações da mesma música paraense, que, por sua vez, foi influenciada tanto pelo rock quanto pela música popular.

Felipe Cordeiro tem 26 anos e é filho de Manuel Cordeiro, que foi o “rei da lambada” nos anos 80, produtor de artistas como Beto Barbosa, Alípio Martins e banda Warilou. Sua formação musical começou ainda criança, em casa e entre estúdios e shows. Dos 11 aos 16 anos estudou na Escola de Música da Universidade Federal do Pará. “Mas considero que minha carreira começou mesmo há dois anos quando decidi ser músico profissional”, explica.

Formou-se em Filosofia no ano passado, depois de lançar o primeiro disco, Banquete, com músicas feitas na adolescência e gravadas com apoio de vários amigos ilustres como Lívia Rodrigues, Arthur Nogueira, Andréia Pinheiro, Juliana Sinimbú, Alba Maria e Olivar Barreto.

Felipe em show na noite anterior ao Conexão Vivo Castanhal

Felipe pegou o diploma e decidiu fazer música pop conceitual. Ele começa a definir seu som e seu conceito com o projeto ao lado d’Os Astros do Século. A personalidade inquieta foi acentuada pela formação acadêmica: “Inevitavelmente penso sobre as coisas que faço. Penso sobre a minha música, a influência que ela tem e como se insere no contexto da contemporaneidade. O curso de Filosofia enfatizou isso em mim”, diz do banco da frente da van.

O cantor ouve as perguntas, olha para frente, pensa, e volta novamente o rosto para trás ao me responder, num time que não se excede nem falta. Explica que depois de conseguir patrocínio do Conexão Vivo para fazer o álbum “Kitsch, Cult e Pop”, a ser lançado ainda esse ano, Felipe começou a materializar musicalmente o conceito do seu estilo. Juntou as amigas do teatro Luiza Braga e Adelaide Tereza, duas vocalistas performáticas ao estilo Blitz, o baterista Arthur Kunz e o baixista Mauricio Panzera, ambos do Clepsidra. Fechou o time com a turma do Casarão Cultural, com o guitarrista Leo Chermont e o percussionista Junhão. Dependendo da situação, outros músicos dão uma “turbinada” no show, como Nazaco, do trio Manari.

Com letras e performances inspiradas pela lírica da vanguarda paulistana de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, Felipe testa a vibe do projeto - que tem conquistado fãs a cada nova apresentação. “Não devo gravar o disco como uma banda. O projeto tem todo o conceito, mas show é outra coisa. No disco algumas coisas serão diferentes”, explica.

A receita Kitsch Cult Pop inclui ainda a guitarrada, o brega e a lambada, “a música Kitsch do Pará”. Com o cult da vanguarda paulistana e o kitsch paraense Felipe fala pela linguagem do pop: “A cultura pop é onde todas as minhas referências se encontram. Não tem como eu pensar e falar sem ser a partir da cultura em que eu nasci e que vivo que é a cultura de massas, a nossa realidade."

E Felipe fala com segurança, mas não deixa de perguntar: “eu to sendo muito vago?”. Não, não está. Além de contextualizar sua arte com precisão e coerência conduz e coordena todo o trabalho. Foi ele quem contratou a van e fez reserva no hotel em Castanhal. Vez ou outra dá orientações para os músicos, que vão desde não fumar na van até usar cinto de segurança. “Antigamente, o músico entregava a carreira para o produtor. Hoje a gente já sabe que isso não é bem assim. Por isso sempre planejo a médio e a longo prazo."


Adelaide Tereza, vocalista performática formada no teatro

Quarenta minutos depois, a van chega em Castanhal. Vamos direto para a passagem de som na concha acústica da Praça Estrela, onde as vocalistas comprovam com alegria que elas e Felipe estão em destaque na foto do cartaz oficial do Conexão Vivo. Fazem troça com Leo Chermont, que foi destaque com os “metaleiros da Amazônia” no cartaz da edição do festival em Marabá. Elas roubaram a cena mais uma vez.

Cuidadoso, o técnico de PA’s da Conexão Vivo arranja o áudio como se fosse para “gente grande”. Qualidade de som rara em eventos na cidade. Na noite anterior, Felipe se apresentou no Espaço Cultural Cidade Velha, num palco bem pequeno. Seu show pareceu bastante sofisticado para o espaço. A passagem de som no enorme palco da concha acústica da Praça da Estrela em Castanhal cria expectativa maior sobre o show de logo mais.

Enquanto a banda se dirige para o hotel, eu acompanho Felipe e a assessora de imprensa do evento até a Rádio para uma entrevista. Depois voltamos ao hotel. No próximo post conto como foi o resto da minha jornada ao lado dos Astro do Século.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Debates destruidores?!

Há dois dias um fato curioso mostrou o poder da internet como instrumento de democratização e de pressão política nos mais íntimos amibientes. Depois de levar um fora da coordenadora de planejamento do Circuito Fora do Eixo em Belém, a banda paraense de Capanema Destruidores de Tóquio pôs a boca no trombone utilizando-se apenas dos próprios emails trocados com Barbara Andrade, de seu blog e de um perfil no Twitter para provocar pessoas influentes (o público geral) e conseguir reverter a situação positivamente a seu favor.
Pressionada pela opinião pública, Barbara retrocedeu apesar de ser reconhecida por posturas radicais. Voltou atrás a fim de apaziguar as pressões sobre o projeto político do Fora do Eixo.
Quem conhece Barbara (como pude conhecer tanto na relação profissional quanto pela participação política, apesar de curta, no Fórum Permanente de Música do Pará), sabe que ela é capaz de atitudes radicais e, vamos dizer assim, fortes ao se confrontar com quem questiona suas ações. Sua ação de retroceder mostra o poder da pressão da opinião pública mas mostra também que sua teimosia em admitir erros tem limites.
Imagino que a decisão foi difícil, mas a colaboração da banda, que soube ser coerente e serena em aceitar as desculpas e o novo convite para tocar no Festival Megafonica, que acontece no final do mês em Belém, contornou o problema. Mas não deixou de provocar as mais radicais reações do público (como mostram os comentários no blog dos Destruidores).
Barbara replicou uma resposta dos Destruidores com arrogância e deselegância. E a posta por email ainda foi seguida de mensagens anteriores, trocadas entre os “megafônicos”. Numa delas o produtor Yuri Malcher desdenha a reivindicação dos Destruidores por um horário de destaque na programação do festival. Indignados os Destruidores colocaram as trocas de email no blog da banda e mandaram mensagens para pessoas influentes do circuito alternativo de música no Twitter. (Quantos deles publicaram a repercussão do caso eu não sei)
Veja a transcrição da mensagem de Yuri, que tanto indignou Nazo Glins, vocalista e guitarrista dos DDT:

Pô ainda querem horário melhor, vão ser a 1ª banda pô!
Já tá valendo!!
hahahahaha
Égua, eu ri aqui.


As reações adversas foram as mais fortes possíveis contra o coletivo, que não teve outra alternativa senão voltar atrás e convidar mais uma vez (depois de os tê-los dispensado) e readmiti-los na programação do festival.
O episódio mostra que a valorização da música paraense não é tão forte como a maioria dos produtores e coletivos alega. Enquanto em outros estados artistas locais tem grande destaque e cuidado por parte dos organizadores, aqui a atitude inicial da Barbara mostrou que o "coletivo" muitas vezes defende apenas uma visão de desenvolvimento restrita, que dá status e oportunidades individuais e não prioriza, verdadeiramente, a cena local.
Os “megafonicos” reclamaram dos que chamaram de “chorões” nos comentários do blog, mas isso pode prejudicá-los no entendimento de que quem entra em discussão política, como são os casos das políticas culturais, precisa aprender a ouvir o contraditório e respeitar a opinião alheia. Só assim o setor cultural vai poder construir um projeto unitário de política pública que corrija as distorções regionais e de classe no setor. Se for só o rock pelo rock, então não precisa de Partido da Cultura nem de dinheiro público, e nem de banda que se pague pra vir tocar e enaltecer a figura de quem organiza e monta o circo, como se os artistas fossem palhaços no picadeiro.
Gostataria de dizer, porém, que, apesar das críticas que aqui teço, acredito que o episódio pode colaborar para mudar essa realidade, fazendo as bandas se organizarem em torno de um projeto de desenvolvimento setorial que seja justo, principalmente quando for subsidiado por dinheiro público.
Vamos conversar séria e francamente sobre isso? Acho que o Fórum Permanente de Música do Pará e a Associação Comunitária Paraense de Rock – Pro Rock, movimentos dos quais eu participo, podem contribuir com esse debate. Para provar que realmente está decidida a dialogar sobre cultura sugiro à Barbara que convide as duas entidades a se fazerem presentes nos debates do Congresso Fora do Eixo e discutir os temas fundamentais para o desenvolvimento da cadeia produtiva da música no Brasil, na Amazônia e no Pará.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Cacá Machado deixa Cemus

Através de e-mail encaminhado há menos de duas horas à lista de delegados do Colegiado Setorial de Música do do Conselho Nacional de Políticas Culturais do MINC, o músico e pesquisador Cacá Machado anunicou que deixa, depois de amanhã, a direção do Centro de Música da Fundação Nacional das Artes (Funarte). Cacá ficou menos de dois anos no cargo e tentou concluir um processo iniciado na gestão do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil de organizar a representação artística musical e elaborar as políticas públicas para o setor. Cacá tentou pacificar o Colegiado Setorial de Música, que reúne músicos de todas as vertentes e regiões do país, e inagurar novos editais de fomento e incentivo. Também contribuiu para a reforma da lei de direitos autorais, que atuamente está em consulta pública pelo MINC. Essa última ação fez aumentar as críticas de setores mais conservadores da MPB, o pode ter contribuído para a sua saída do cargo. Leia abaixo a íntegra da mensagem de Cacá.

Caros,

deixo a Diretoria do Centro de Música da Funarte no dia 5 de agosto de
2010 para voltar às minhas atividades artística, como compositor,
violonista e produtor musical e acadêmica, como pesquisador e docente,
na USP. Thiago Cury, parceiro de construção desta gestão, assumirá a
Direção do Cemus/Funarte a partir de agora dando continuidade ao nosso
trabalho.

Agradeço a cumplicidade e companheirismo de todos nesta grande
travessia que é a experiência da gestão pública da cultura em nosso
país.

Acredito neste projeto e estarei sempre por perto!

Grande abraço,

Cacá Machado