quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O canto d'A Euterpia

A cantora Marisa Brito, 26 anos, segue carreira solo a partir do ano que vem

Era uma manhã chuvosa em São Paulo. Os rios Pinheiros e Tietê transbordaram e alagaram as ruas provocando caos na cidade. Por conta disso, a professora de canto Marisa Brito não pode sair de casa naquele dia. Sobrou tempo para que ela e eu refizéssemos uma entrevista iniciada quase um mês antes sobre o anunciado fim da banda A Euterpia. Na correria eu simplesmente esqueci de salvar o texto. Ela também não salvou. Eu poderia ter escrito um texto corrido com a memória do que foi dito, mas queria as palavras dela. Seu depoimento verdadeiro sobre o fim de uma das bandas mais emblemáticas do cenário paraense dos últimos anos. A Euterpia levara quase seis anos para gravar seu primeiro registro, tempo suficiente para amadurecer o som da banda e consagrar sucessos como “Veneza” e “Brechó do Brega”. Um som difícil, como muitos taxaram, para dizer o mais leve das críticas. Mas trata-se de uma banda injustiçada. Não que devamos lamentar uma perda que, como Marisa diz, gera, através do sofrimento, a evolução, o amadurecimento. Bandas injustiçadas há aos montes. Mas a trajetória da Euterpia ajuda a entender os dilemas dos músicos que vivem no Pará ou na Amazônia e que lutam para se firmar num mercado inc(s)ipiente. Não fosse A Euterpia e talvez, a despeito dos Mutantes, bandas como a amapaense Minibox Lunar demorassem alguns anos mais para aparecer. Com vocês o depoimento de Marisa Brito sobre o fim da Euterpia.


Nicolau: Por que a banda acabou?

Marisa: Tudo no universo está em constante mudança, em constante transformação. O ciclo da vida existe para tudo, até para os projetos como uma banda. Se nós como pessoas passamos por fases, que dirá de um encontro de amigos, de jovens com sonhos que em dado momento parecem os mesmos, mas que, com o passar do tempo, podem ir ficando diferentes, porque somos diferentes... Mudar de cidade foi importantíssimo para o nosso crescimento pessoal. Mas não conseguimos nos firmar como banda. Fizemos shows bem legais, mas ficou tudo muito inconstante, muito incerto, e já estamos na fase da vida em que queremos mais estabilidade. Não somos mais adolescentes. Queremos casar, ter filhos, nossas casas, enfim...

O que você acha que faltou para A Euterpia se firmar?

Olha, eu acho que somos todos muito "artistas” (risos). Nenhum de nós dentro da banda, tinha um talento nato para a parte de produção, uma coisa mais de marketing. Acho que foi aí que o bicho pegou porque não conseguimos que nenhum produtor encarasse pra valer o projeto, até o fim. Pessoas maravilhosas trabalharam com a gente, nos ajudaram muito, mas sempre saíram no meio do caminho, pois viam que pro nosso estilo seria necessário muito investimento, que muitas vezes eles não tinham condições de dar, ou encontravam um outro trabalho que fosse mais viável pra eles trabalharem. Sabíamos que A Euterpia pra "vender" não era a coisa mais simples do mundo. O mercado musical é muito instável. Não conseguimos nos firmar dentro desse mercado, por isso fomos procurar outras formas de viver de música. Todos nós vivemos de música, mas nosso sustento nunca veio da banda. Sempre foi trabalhando com música, mas fazendo outras coisas. E isso é uma realidade acho que de todas as bandas de Belém, senão, a maioria.

Mesmo com essa dificuldade de afirmação da banda, o disco da Euterpia foi um dos mais vendidos lançamentos do selo Na Music. Como você vê essa dicotomia?

Isso é interessante. Olha, realmente parece incoerente... não sei como explicar. Hoje quando paro pra pensar no mercado da música, não consigo entender muitas coisas. Para mim é um mistério. Passamos muito tempo ouvindo pessoas dizendo que A Euterpia era muito "difícil" para vender demais. Mas ao mesmo tempo, víamos pessoas cantando todas as músicas na frente do palco. Eu acho que não tem fórmula pra isso, o mercado quer rotular tudo, dar diretrizes para o que vai vender e o que não vai, mas no final, nem sempre dá certo. Acho que conquistamos nosso público porque fizemos do início ao fim, uma música coerente com o que sentíamos, uma música carregada de verdade, e isso, por mais difícil que pareça, chega ao coração das pessoas. Ora, muitas vezes nos emocionamos com músicas em idiomas que não conhecemos nenhuma palavra, porque não nos emocionaríamos com uma música que tem uma palavra ou outra diferentes? A arte é isso. Não tem explicação. Já ouvi pessoas criticando, dizendo que parecíamos esnobes, por às vezes colocar uma palavra estranha na música, que as pessoas não entendiam. Que tínhamos que simplificar... por quê?! A arte também é um meio de ensinar, de educar, como artista, não acho que devemos olhar pras pessoas como inferiores, precisamos sim mostrar coisas novas pra gerar curiosidade e evolução nelas. Esse tipo de pensamento de que tudo deve ser mais fácil é que faz a cultura ficar cada dia mais rasa, superficial. Não escrevíamos músicas daquela forma porque queríamos esnobar, e sim porque é a forma como a comunicação fluía, assim como sempre respeitamos e admiramos outras manifestações artísticas que são naturais, espontâneas e verdadeiras, mas que usam palavras mais simples. Tem que ter espaço pra tudo. Tem músicas da banda que são super básicas. O que importa é a espontaneidade, a verdade com que se coloca a emoção.

Que lembranças você tem de Belém? mágoas? saudades?

Nossa, lembranças maravilhosas... eu me sinto uma pessoa muito realizada e feliz, não guardo mágoas de coisas ruins, pois todas elas serviram para me fazer crescer, todo sofrimento gera evolução, então, o sofrimento é bom e importante. Quando fecho os olhos e penso em Belém, lembro somente das pessoas cantando nossas músicas nos shows, dos abraços que recebia depois de cantar, do brilho nos olhos daqueles que se comunicavam conosco através da música. Lembro e recebo até hoje, todos os dias, mensagens lindas pela net, e as vezes não tenho tempo de agradecer a todas, mas elas me tocam o coração profundamente, e quero aproveitar aqui pra agradecer todo esse carinho que recebo diariamente. Isso acho que é o maior sinal de que não devo me entristecer com nada. Que conseguimos plantar amor, alegria, bons sentimentos nos corações daqueles que nos admiram. Lembro de todos que trabalharam com a gente, que em algum momento de suas vidas dedicaram parte de seu tempo e seu talento para abrilhantar nosso trabalho. E minha gratidão será eterna.

Como é a relação entre os integrantes da banda hoje?

Maravilhosa. Conseguimos perceber com tudo isso, que nossa relação realmente foi construída de maneira muito sólida. A gente não se vê constantemente, mas quando precisamos um do outro, sabemos que podemos contar. A forma como conseguimos entender, respeitar e apoiar a decisão pessoal de cada um, quando parte decidiu voltar a Belém... não havia o que discutir, foi tudo muito harmonioso. Acima do sonho da Euterpia existe a vontade ver todos da banda sendo muito felizes. Não adianta construir um trabalho em cima da tristeza de uns. Estamos aqui para sermos felizes, e isso foi muito mais forte do que a vontade da banda continuar a qualquer custo.

Quais os projetos futuros?

Falando por mim. Como sou formada em licenciatura em música, sempre gostei muito da área de educação musical, sou apaixonada por ensinar, e desde o início queria vir pra SP pra também dar continuidade nos estudos. Amo a vida acadêmica e quero continuar minhas pesquisas em educação musical. Aqui estou estudando piano e violão, ano que vem farei minha pós-graduação.
Sou professora do conservatório Souza Lima, uma escola excelente. E estou muito realizada dando aulas lá, pois todo dia me sinto estimulada a crescer e evoluir. Sinto que amadureci como pessoa e como artista e hoje tenho a necessidade de fazer um projeto solo. Tenho planos para colocar em prática no ano que vem. Já comecei a trabalhar nele, e em breve darei mais notícias sobre isso.

E como foi gravar o DVD do Edgar Escandurra?

Nossa, foi um dos maiores presentes da minha vida. Ele me encontrou por acaso no myspace, me ouviu e gostou, e mesmo sem me conhecer pessoalmente, me convidou para participar desse novo trabalho. Então, fiz parte da banda base como backing vocal. E foi demais! Além dele ser um guitarrista incrível, é uma pessoa muito especial. Além de todos que participaram desse projeto. Foi um aprendizado novo todos os dias, a cada ensaio, a cada show, fazer backing vocal foi uma experiência nova para mim e quer saber: eu adorei!!! Aprendi horrores!. O DVD vai sair ano q vem. O Edgard tem feito alguns shows no formato trio, e nessa quinta, dia 10, fará um show no Studio SP e me convidou para cantar com ele. Não farei backing vocal dessa vez, cantarei uma música com ele, e vou tocar castanholas em outra. Minha vida aqui em São Paulo tem sido muito feliz. Estou colhendo agora coisas maravilhosas... meus planos são continuar dando aulas de canto e me aperfeiçoando pra isso. Quero um dia lançar um livro com os resultados de minhas pesquisas (mas isso ainda está bem longe). E ano que vem quero colocar em prática meu projeto solo. Vou montar um show como intérprete... estou em fase de seleção de repertório. Recendo músicas de compositores mais novos, músicas inéditas...dentre os paraenses, vou cantar músicas de Renato Torres, Felipe Cordeiro e logicamente, do meu mais fiel parceiro e amigo, Antonio Novaes.

5 comentários:

Fernanda Brito disse...

O que posso dizer em relação a EUTERPIA
que foi sempre uma honra trabalhar com eles,
aquela música que aguça a alma e faz a gente visualizar o que eles cantam
foi apartir daí que tivemos muitas idéias e colocamos em imagens o som deles
essa banda eh D MAIS!!!!!
o futuro será claro e radiante
tenho certeza!!!

carlosbrito disse...

Para quem viveu, no universo da banda sabe o quanto somos apaixonados pelo som que faziamos, fomos capazes de superar muita coisa pra mantermos a banda viva, mas chegou uma hora em que não foi mais possivel, musicalmente nós 5, Eu,Marisa,Neto,Pato e Tom éramos um combinação fantástica, apesar de divergimos em alguns pontos devez enquando, e a ausência de qualquer um afetava muito no trabalho,e sentíamos muito isso, Ninguém é culpado, a vida de cada um tomou sua direção, agente sempre torce um pelo outro, o que mais queremos é que todos, independentemente de qualquer coisa, é que cada um de nós sejamos felizes. Todos temos a certeza que fizemos nosso papel dentro do cenário musical paraense, e porque não Braisleiro, A Euterpia se despede de maneira integra, sempre fizemos musicalmente o que nossos corações mandavam, e conseguir com que cinco pessoas tão diferentes chegassem neste nivel, é muito dificil, por isso sempre fomos fiéis a nossa música, não tinhamos medo de arriscar, não achava e nem acho a música d'A Euterpia uma música dificil de assimilar, e sim uma música inteligente...se fomos injustiçados??? acho que não. fomos felizes, felizes por termos tido esse encontro de almas, e termos coseguido fazer um trabalho tão belo,e que sei que tocou o coração de muitas pessoas, sei de história de pessoas, que conheceram seus parceiro em um show da banda e que uma música faz parte daquele momento do encontro de duas almas, que foram embaladas por nossa música... esse tipo de coisa é muito doida, agradecemos enrnomemente nossos fãs, por ter nos proporcionado momentos tão feliz, obrigado pela gentileza de ter nos aceitado de forma tão carinhosa em suas vidas.
A Euterpia se despede de maneira integra e tranquila, assim como foi a conversa que tivemos quando decidimos terminar a banda, comendeo uma pizza, tomando guaraná e falando de planos pessoais futuros....
Carlos"Canhão"Brito Jr.
Baterista d'AEuterpia

Kemel Amin B. Kalif disse...

Vocês são feitos de açaí !

Obviamente eu recebi a notícia do fim da banda com imensa tristeza. Mas, tentando racionalizar a coisa toda, penso que vocês só têm a se orgulhar de tudo, pois fazem parte agora de um grupo seleto de brasileiros que conseguem viver de música. Infelizmente não da música “eutérpica”, mas de seus esforços individuais e, principalmente, da motivação que a coletividade de se fazer parte de uma banda lhes deu !

Poder viver de música é uma conquista muito maior do que o esforço individual para ser um bom músico dentro de uma banda... Poder viver de música, no Brasil de hoje, é uma conquista coletiva que, individualmente, vocês podem agora desfrutar. E arrisco dizer que não alcançariam suas conquistas individuais, individualmente, sem o sentimento de unidade que move uma banda.

O resultado da interação de vocês foi, é, e sempre será, algo belo; algo que, de tão belo é, ao mesmo tempo, afável e inquietante, melódico e perturbador, carismático e provocante, regional e global... Tal como o nosso açaí, vocês conquistaram o mundo. Vocês sempre serão nossa Euterpe oleracea !

Kemel Amin B. Kalif disse...

Vocês são feitos de açaí !

Obviamente eu recebi a notícia do fim da banda com imensa tristeza. Mas, tentando racionalizar a coisa toda, penso que vocês só têm a se orgulhar de tudo, pois fazem parte agora de um grupo seleto de brasileiros que conseguem viver de música. Infelizmente não da música “eutérpica”, mas de seus esforços individuais e, principalmente, da motivação que a coletividade de se fazer parte de uma banda lhes deu !

Poder viver de música é uma conquista muito maior do que o esforço individual para ser um bom músico dentro de uma banda... Poder viver de música, no Brasil de hoje, é uma conquista coletiva que, individualmente, vocês podem agora desfrutar. E arrisco dizer que não alcançariam suas conquistas individuais, individualmente, sem o sentimento de unidade que move uma banda.

O resultado da interação de vocês foi, é, e sempre será, algo belo; algo que, de tão belo é, ao mesmo tempo, afável e inquietante, melódico e perturbador, carismático e provocante, regional e global... Tal como o nosso açaí, vocês conquistaram o mundo. Vocês sempre serão nossa Euterpe oleracea !

Otto Ramos disse...

Respeito a banda, mas nunca ouvimos...se ainda tivesse viva eu veria um show deles.

Otto Ramos
Mini Box Lunar