quarta-feira, 11 de junho de 2008

Qualquer bossa vale uma nota na Amazônia

Parte IV

Muito se fala hoje no Pará em integração regional, e é fato que as idéias separatistas ganham terreno fértil na falta de identidade das populações de determinadas regiões do estado com o que se acredita ser a cultura paraense. Em determinados lugares o carimbó, o boi-bumbá ou a marujada, só para citar exemplos de ritmos amazônicos, não criam identificação com as suas populações.
Preservar essas linguagens, afirmá-las como parte da identidade de determinadas regiões é muito importante. Mas a imposição dela como uma espécie de “cultura oficial” a todos o estado não ajuda a integrar social e culturalmente um estado tão diverso, centro de atração de populações de todos os cantos do país. Na busca de uma integração de fato, que mexa com o sentimento de um povo, a cultura é fundamental, pois acaba inserindo as pessoas em um contexto “global” mesmo que ocupem sítios geográficos políticos um tanto distantes (suas aldeias).
Nessa linha de pensamento, torna-se necessária a valorização de uma música que seja ao mesmo tempo “profissional” (no sentido que ela vá integrar uma cadeia produtiva) e que preserve elementos de identificação regionais e universais, como as experiências do novo rock paraense e de experimentações contemporâneas que não ignoram nossas linguagens (Cravo Carbono, La Pupuña, Curimbó de Bolso, A Euterpia, Madame Sataan, Norman Bates dão exemplos mais ou menos próximos disso).
Nem sempre os elementos estéticos podem ser prevalecentes. Artistas locais, nascidos ou radicados no estado, serão reconhecidos como objeto comum a diversas populações se tiverem visibilidade. Daí a importância, por exemplo, da atual política de expansão do sinal da TV Cultura aos demais municípios paraenses. Não espero, nem acredito que seja possível hoje, em nossa região, fabricar "ídolos" ou "semi-deuses" que se tornem ao extremo arrogantes e alienados a questões sociais e culturais. A mobilização necessária para emplacar tal projeto daria conta por si só da formação de uma personalidade com menos "estrelismos". Esse é um dilema já há muito imposto ao artista contemporâneo.

Tradição - Acredito que mesmo a aceitação das manifestações mais tradicionais (e localizadas) seriam mais facilmente assimiladas pelas populações mais distantes da capital se fossem inseridas em um processo de difusão mais profissional.
A solução que vejo para o gargalo da produção e difusão da cultura tradicional, que naturalmente têm dificuldade maior para se organizar burocraticamente, é a adoção dela pelos movimentos sociais ou por associações organizadas (já existem algumas em estágio incipiente), no sentido destes ajudarem a criar essa estrutura, num plano também econômico (cooperativas, associações, economia solidária etc.). A política de Pontos de Cultura, da Secretaria Estadual de Cultura e do Ministério da Cultura, vai ser importante para desenvolver essa produção, uma vez que prevê a organização e estruturação física de centros de cultura. Se houver capacitação técnica e visão do que poder ser tal “empreedimento” por parte dos gestores desses pontos de cultura, finalmente poderemos avançar nessa área muito mais do que nos últimos 20 anos pelo menos.
Através de tal política, o artista regional tradicional preserva, até onde lhe é possível diante das transformações do mundo contemporâneo, sua expressão, sem que ela seja privada de se colocar no mercado como uma produção séria, para fazer uma referência irônica a Theodor Adorno – o teórico alemão que definiu a “regressão da audição” no início da indústria cultural.O desafio é grande em várias frentes. Mas se a população do estado deve pensar seu desenvolvimento deve também levar em consideração tais complexidades, e possibilidades.

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